A Justiça reconheceu como criminosa uma prática que era comum, há algumas décadas atrás, em algumas delegacias do Espírito Santo, que era a retirada de presidiários para fazer serviços particulares para alguns delegados. Diga-se de passagem, foi a própria Polícia Civil quem começou a punir a prática, com abertura de inquérito policial e o respectivo indiciamento de quem saía da linha.
Desta forma, o agora delegado aposentado Ary Roosevelt Rocha acaba de ser condenado, tendo seus direitos políticos suspensos por três anos e ainda terá que pagar multa civil no montante de cinco vezes o salários que recebia à época dos fatos – entre 2007 e 2008.
O delegado foi condenado pelo juiz Jorge Henrique Valle dos Santos, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, por atos de improbidade cometidos na titularidade da Delegacia de Jardim América, em Cariacica. Na ocasião, a delegacia servia de presídio. Hoje, as unidades da Polícia Civil não abrigam mais presos.
Ary Roosevelt e o investigador Rocha Moacir Fernandes Coelho foram acusados pelo Ministério Público Estadual, nos autos do processo 0534712-39.2010.8.08.0024, por terem utilizado a mão de obra do presidiário Wagner José Fontana Filho, sob sua custódia, para a fabricação de móveis para a residência da autoridade policial. O nome do policial Moacir foi retirado do processo porque ele já morreu.
A irregularidade foi descoberta pelo delegado Danilo Bahiense, que fez uma inspeção de surpresa na Delegacia de Jardim América, ao ser informado de que Ary Roosevelt retirava o preso da cadeia e o transportava, diariamente, a uma marcenaria de Campo Grande para fazer os móveis. O transporte era feito dentro de uma viatura da própria Polícia Civil.
O fato foi denunciado à Corregedoria Geral de Polícia Civil, que abriu inquérito policial para investigar a situação. O preso Wagner foi ouvido pela Corregedoria e confirmou que era retirado da delegacia para fazer serviços para o delegado.
O delegado Ary Roosevelt se defendeu, durante a tramitação da ação penal, afirmando que havia sido autorizado pela 5ª Vara Criminal de Vitória para retirar o preso da cadeia e fazer serviço para ele.
No entanto, o Juízo somente se manifestou no sentido de que o trabalho de presos é possível, “podendo existir convênio com a empresa que receberá a prestação de serviço pelos detentos que, no caso em análise, seria a empresa Comercial Ouro Minas, que ofertou o serviço de limpeza de plástico.”
Em depoimento à Justiça, o delegado Ary Roosevelt confirmou que “[…] que o referido presidiário chegou a trabalhar em armários fabricados para uso pessoal do depoente, mas apenas como auxiliar, vez que o depoente pagava a um marceneiro para fazer os armários; que por algumas vezes o policial Moacir, a pedido do depoente, levou e buscou o preso da delegacia para a marcenaria na viatura policial da delegacia […] que a autorização não constava expressamente a possibilidade de o preso prestar serviços para o depoente, mas possibilitava e autorizava ‘qualquer convênio’, entendo o depoente que não haveria impedimento caso realizasse à atividade laboral relacionada ao depoente.”
Na sentença, o juiz Jorge Henrique Valle dos Santos ressalta que o detento Wagner José Fontana Filho confirmou em juízo o depoimento prestado na Corregedoria da PC/ES:
“Que desde a semana passada o Dr. Ary colocou o Declarante para trabalhar numa marcenaria em Campo Grande para fazer uns móveis para ele; que o declarante então começou a fazer uns armários embutidos para quarto; que o próprio Dr. Ary levava o declarante na marcenaria do Sr. Vitório Leite, situada no Bairro Santa Cecília; […] que fora esse dia; tem sido levado para dias (sic) trabalhar na fabricação dos armários do Dr. Ary todos os dias […] que em data de hoje estava trabalhando normalmente na marcenaria, tendo chegado lá por volta das 09:30 ou 10 horas, levado pelo próprio Dr. Ary, na viatura da Delegacia de Jardim América, conduzida pelo próprio Dr. Ary.”
Ainda segundo a sentença, “conforme visto pelos depoimentos, é inconteste que o detendo Wagner prestou serviços para o requerido na fabricação de móveis, sendo que aquele era levado na própria viatura da Polícia para, na marcenaria, fabricar armários para o delegado.