Responsável por uma das poucas políticas de segurança pública adotada no Espírito Santo nas últimas décadas, o comandante da Diretoria de Apoio Logística da Polícia Militar, o coronel e professor Julio Cezar da Costa, responde o artigo publicado pela jornalista Andréia Lopes no jornal A Gazeta deste domingo (08/11).
No artigo, intitulado “Espírito Santo da polêmica”, Andréia, de forma inteligente, aborda a crise institucional entre o Alto Comando da PM e o secretário de Estado da Segurança Pública, o delegado federal Rodney Miranda, por conta do livro “Espírito Santo”, em que são revelados, segundos seus autores, bastidores das investigações do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, ocorrido em março de 2003.
Andréia Lopes acerta em alguns tópicos, mas peca em outros. Um dos pecados é quando ela diz que Rodney Miranda, desde que chegou ao Estado para assumir a Secretaria da Segurança, em 2003, não teria sido bem aceito pelas polícias do Estado e que “sua cabeça esteve a prêmio algumas vezes”. Não é bem assim.
O problema é que, ao chegar, Rodney trouxe sua tropa de choque, sem querer muito papo com quem já fazia (e muito bem) segurança pública no Estado.
Aos poucos, porém, foi descobrindo peças importantes nas polícias Civil e na PM, que se encaixaram bem em seu secretariado. Basta lembrar a delegada Fabiana Maioral, que faz parte do staff de Rodney Miranda – hoje, ela é subsecretária de Inteligência da Sesp –, e colocou no comando da Polícia Civil os delegados considerados mais eficientes.
O artigo de Andréia Lopes informa que a cabeça de Rodney Miranda esteve a prêmio várias vezes. Também não é bem assim. Ele esteve balançando uma vez e foi exonerado do cargo justamente por causa do grampo ilegal, injusto e inconseqüente que fez na Rede Gazeta de Comunicação. Rodney alegou na ocasião que o grampo teria sido feito por engano
Por engano ou não, o grampo foi uma tremenda furada e maluquice de Rodney e sua equipe. Por isso, o governador Paulo Hartung o exonerou naquele momento.
É interessante, contudo, que A Gazeta, um dos jornais que mais formam opinião no País, faça artigo abordando a crise entre Rodney Miranda e o Alto Comando da PM. Sinal de que a segurança pública é, de fato, um dos calcanhares de Aquiles do governo Hartung.
Abaixo, a carta que o coronel Julio Cezar, um dos criadores da Polícia Interativa e do Pro-Pas, enviou à jornalista Andréia Lopes.
“Bom dia, Andréia, Lopes;
“Sem qualquer necessidade de exaltar a Vossa inteligência jornalística, quero expressar em discordância com alguns pontos de seu artigo abaixo, que ao meu juízo vinculam de modo subliminar uma indignação como se fosse manifestação de apoio à situações e pessoas contra as quais, antes do Rodney, nos levantamos como arautos de uma Polícia digna.
Há de se ressaltar que já em 2001, através do esforço de alguns dos então majores, hoje coronéis da ativa, a PMES não se furtou a enquadrar e encaminhar para a devida apreciação governamental, que diga-se, também concordou conosco, a demissão de determinada pessoa que ao nosso ver não era digno do oficialato, no que não encontramos eco, vez que por prerrogativa constitucional, o Tribunal de Justiça discordou e não homologou a decisão do então governador.
Nenhum dos 14 coronéis que assinaram a nota de desagravo, em manifesto a favor da defesa da honra institucional, e em particular contra as inverdades e agressões feitas por Rodney Miranda e co-autores, a homens de grande escopo moral e técnico, como é o caso do Coronel Marcos Aurélio Capita da Silva e do Tenente R. Campos, tem vínculo e nunca teve vínculos com pessoas ou grupos que em tempos pretéritos possam ter tido conduta duvidosa, ou até mesmo criminosa.
Rodney não é linha dura, mas sim cabeça dura. Não separou o joio do trigo e fez com que a indignação se tornasse irresistivelmente grande contra a sua ineficiente ação à frente da segurança pública de nosso Estado. Os dados mostram como estamos sem qualquer orientação que nos conduza a uma condição de tranquilidade pública e segurança.
Fazer marketing policial às custas de milhões de reais é algo que também não aceitamos. Não existe “rambonização” da segurança, vez que somente com inteligência e capacidade técnica é que se poderá implantar uma verdadeira política de segurança pública.
Rodney nos convidou pessoalmente, por mais de três horas, para assumir o comando operacional da polícia ostensiva na região metropolitana em maio deste ano, e recebeu um rotundo NÃO, pois a ele dissemos que segurança pública não se faz de modo espalhafatoso e sem estratégias definidas. Ademais quando a segurança pública é sinônimo de “blitzeen” fica evidenciado que nada de novo existe, além do comportamento repressivo e antimoderno.
O que Rodney demonstra é uma contradição polar, vez que disse ter combatido o crime organizado no ES, que como a mídia expôs se abrigava em uma determinada legenda política, e agora, passados poucos anos da troca do nome da agremiação partidária, esse Secretário “corajoso e probo”, se filia na mesma sigla, embora com outro nome. Haja incoerência!
Também há de se destacar que ninguém apagará que sob o comando de Rodney a imprensa livre foi violada no Brasil, quando Vocês ficaram debaixo de grampo por longos dias. Não há de se pensar que o conteúdo das gravações do grampo em “A Gazeta” foi destruido. Essa mácula vai estar no epitáfio desse senhor braziliense, entre outras que podemos encontrar lendo Saulo Ramos.
Enfim não nos cansaremos de nos manifestar contra as inverdades, sejam elas quais forem, pois somente homens de bem e do bem podem se manifestar sem temer quaisquer rótulos jacobinos.
Não somos um grupo de indignados coronéis, somos a própria Polícia Militar do Espírito Santo que se sentiu menosprezada e desrespeitada em seu mister de preservar a ordem pública neste Estado.
Falo por Mim.
Atenciosamente;
Coronel Julio Cezar Costa
Abaixo, o artig, na íntegra, de Andréia Lopes:
“Espírito Santo da polêmica”
Escrever sobre o crime organizado capixaba provocaria reações em qualquer tempo, até porque nem todas as figuras contaminadas foram varridas definitivamente das instituições.
Mas o livro Espírito Santo vem causando polêmica tanto por conta do cargo que um dos autores ocupa no primeiro escalão do governo quanto pela história em si, que foi baseada em fatos reais e narra um dos acontecimentos mais emblemáticos do Estado: o assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho – que, seis anos depois, não teve os mandantes do crime levados a julgamento.
O secretário de Segurança, Rodney Miranda (foto), veio de fora, não faz parte da corporação e é por origem um delegado federal que nunca foi bem aceito pelas polícias do Estado. Sua cabeça esteve a prêmio algumas vezes. Seu perfil linha dura sempre enfrentou resistências internas. Sua seriedade não é questionada, mas sua estratégia para combater a violência frequentemente é contestada, já que o Estado não conseguiu reduzir os índices de homicídios, apesar dos investimentos realizados.
Ainda que parte dos personagens tenha tido o nome trocado na publicação – estratégia que, na opinião de alguns, foi equivocada, já que é possível identificar facilmente a maioria porque os cargos que ocupam foram mencionados – , o secretário de Segurança colocou fogo no quartel ao mencionar fatos envolvendo os coronéis, que são subordinados seus – e alguns foram apresentados no livro como se fossem ligados ao crime organizado ou coniventes .
Um grupo que representa a patente mais alta da polícia e compõe o comando estratégico da corporação reagiu, e ainda conseguiu o apoio dos oficiais, que não reconhecem mais o comando do secretário. O livro provocou, portanto, uma crise institucional e um aparente enfraquecimento de Rodney – até porque o governador Paulo Hartung (PMDB) até hoje não falou abertamente sobre o caso. Ele chegou a nomear um dos principais coronéis insatisfeitos para a assessoria do secretário – o que foi interpretado como possível punição. Mas depois voltou atrás, parecendo que cedeu à pressão ou se precipitou.
Ficou a impressão de que ninguém controla hoje as polícias do Estado, ao não ser um grupo que se indignou com um livro que trata do crime organizado.
Há quem avalie que parte desse movimento estaria sendo insuflado pelo coronel Walter Ferreira. Considerado nas investigações o braço armado do crime organizado e apontado como um dos envolvidos na morte do juiz Alexandre, ele, apesar dos vários processos a que responde, até hoje não perdeu sua patente. Mas também há aqueles resolveram não aceitar mais o comando do secretário porque foram levados na onda do corporativismo.
De todo modo, há uma estranha coincidência: coronéis e oficiais defendem a federalização do caso do juiz, mesmo argumento de Ferreira. Aí mora o perigo da impunidade.
Federalizar significaria atrasar ainda mais o processo e é uma alternativa contestada por um dos principais interessados no caso: o pai do juiz, o advogado Alexandre Martins.
Representantes do movimento que reage ao livro repudiam a idéia de que estariam de servindo de instrumento para interesses escusos. Argumentam que foram enfraquecidos moralmente justamente por quem deveria preservar a instituição: o secretário de Segurança. De fato, esse é um problema do livro. Ainda que Rodney argumente que o escreveu quando estava em Caruaru (PE), o fato é que o lançamento ocorreu agora e atinge diretamente uma corporação que ele comanda.
De todo modo, trata-se de uma boa leitura. Dá para compreender como funcionava a pistolagem no Estado, em especial quando é mostrada a história de Manoel Corrêa da Silva Filho. Esse homem admitiu uma centena de crimes, queimava os corpos com a mesma naturalidade de quem faz um churrasco e estaria disposto a denunciar Ferreira, mas acabou assassinado em circunstâncias questionáveis dentro da prisão. Há outros bastidores que são interessantes para compreender um dos momentos mais tensos da história do Estado.
Mas, como se trata de uma história recente e nem tudo foi passado a limpo, falar abertamente do crime organizado e de seus supostos tentáculos continua sendo delicado. É como os autores dizem na página 30: a luta contra o crime organizado é um processo sempre aberto, passível de revezes e repleto de contradições.