A condenação do empresário Sebastião de Souza Pagotto pela acusação de mandar matar o advogado Joaquim Marcelo Denadai é uma demonstração de que o Espírito Santo está, definitivamente, disposto a virar a página da impunidade. Durante décadas, o Estado virava as costas para os chamados crimes de mando, que se tornavam insolúveis.
A sociedade capixaba conviveu durante décadas (ou séculos) com este tipo de atraso. Quando alguma pessoa tentava intervir para mudar uma situação, logo era apagada do mapa. Morria e o Estado nada fazia. O Estado se traduz em Polícia Civil, a quem caberia investigar; Ministério Público, a quem caberia cobrar solução da Polícia Civil e, posteriormente, oferecer denúncia contra os criminosos; e o Judiciário, a quem caberia julgar.
A inércia, na maioria dos casos, atingia a todos os poderes. Todo mundo sabia quem era o pistoleiro que havia praticado determinado crime; quem mandou matar, mas ninguém agia.
É claro que o caso do assassinato de Marcelo Denadai não é o único em que as instituições agiram como deveriam, mas a investigação do crime, a denúncia feita pelo Ministério Público e o julgamento final da Justiça – em que pese a demora de 10 anos – é um indicativo de que daqui em diante o Estado (sociedade) do Espírito Santo não está mais disposto a conviver com a impunidade.
Aliás, a luta pelo fim da impunidade partiu da mais alta esfera do Judiciário capixaba. Ao ser eleito – em outubro de 2011 – presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa deu o tom de que os membros da Justiça não aceitariam mais conviver com a impunidade:
“Eu queria olhar de frente para o povo capixaba e deixar uma mensagem: dedicarei cada dia do meu mandato à consolidação de uma terra que gere investimentos e elimine a pobreza. Não pode haver progresso se não houver estabilidade jurídica. Para isso, é preciso reduzir a morosidade e a impunidade. Sabemos que o Poder Judiciário não é uma ilha isolada. Procurarei outras instituições, outros poderes, a OAB, o Ministério Público, a sociedade civil organizada e a imprensa para que, juntos, projetemos mecanismos concretos de combate à morosidade e à impunidade. Espero que, ao final do meu biênio, tenhamos um Judiciário mais tecnológico, eficiente e transparente”.
Ao assumir à Presidência do TJES – em 15 de dezembro de 2011 –, Pedro Valls Feu Rosa mostrou, com ações, o que havia discursado no dia da eleição. E uma das principais ações foi a de instituir mutirão para julgar até o final deste ano pelo menos mil processos relativos a crimes contra a vida. E está conseguindo. O julgamento do Caso Denadai era um deles.
Ao condenar Sebastião Pagotto a 17 anos e 10 meses de reclusão, em regime fechado, o Tribunal do Júri de Vila Velha, portanto, deu um aviso: o Espírito Santo vive hoje uma nova era. Nada de um “Novo Espírito Santo”, tão divulgado pelo governo anterior, que nada fez para a realização do julgamento.
Desde os primeiros momentos da investigação do assassinato de Marcelo Denadai – morto a tiros na noite de 15 de abril de 2002, na Praia da Costa, em Vila Velha –, a Polícia Civil recebeu carta branca do então governador José Ignácio Ferreira para ir fundo na solução do caso.
A Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, na época comandada pelo delegado Danilo Bahiense, chegou aos mesmos culpados indiciados mais tarde pela Polícia Federal, que entrou no caso a mando do Ministério da Justiça.
Diga-se de passagem, foi o delegado Bahiense e sua equipe que prenderam o soldado Dalberto Antunes da Cunha – na mesma noite do crime –, um dos acusados de dar três tiros na cabeça de Marcelo Denadai.
Quando o soldado Dalberto e o ex-tenente da PM Paulo Jorge dos Santos Ferreira – outro pistoleiro acusado de praticar o homicídio – dispararam o primeiro tiro na cabeça de Marcelo, já se sabia de onde partiu a ordem para o assassinato.
Já se sabia que a morte do advogado, reconhecido nacionalmente por sua luta em defesa dos direitos humanos, estava sendo articulada dentro de gabinetes das mais altas esferas de poderes políticos/policiais do Estado.
Tanto que, antes de ser preso, Pagotto se escondeu na Bahia, na fazenda de uma das mais importantes figuras políticas que o Espírito Santo já produziu. Voltou a Vitória sob as benções (leia-se esconderijo) de uma das mais importantes figuras do clero católico capixaba.
Mas acabou tendo que enfrentar alguns dias na cadeia. De dentro da cela, demonstrou seu poder econômico: contratou uma das mais importantes agências de assessoria de imprensa do Estado, que saiu às ruas – com sua proprietária – mostrando dossiê para tentar provar a inocência de Pagotto.
Marcelo Denadai incomodava o poder. Antes de denunciar fraudes em licitações milionárias na Prefeitura de Vitória – foram estas denúncias que motivaram o assassinato dele, no entender do Tribunal do Júri de Vila Velha, que condenou Sebastião Pagotto –, Marcelo já havia ajudado a Procuradoria Regional da República no Estado a extinguir a Scuderie Detetives Le Coq, um grupo privado, formado por policiais militares e civis, advogados e outras autoridades, que se reuniam com o único proposto de articular crimes, de preferência assassinatos. A Le Cocq foi extinta por ordem da Justiça há mais de 10 anos.
Graças a Marcelo Denadai, a Polícia Civil e o Ministério Público elucidaram também o assassinato do advogado Carlos Batista de Freitas. Ele ajudou a levar a júri popular os mandantes do assassinato de Carlos Batista. Já os assassinos – com exceção de um, o ex-PM Antônio Geraldo da Piedade –foram mortos a mando dos próprios mandantes da morte de Carlos Batista.
Marcelo Denadai se foi, mas, se deixou legado, esqueceu de formar herdeiros. Sua irmã, a hoje deputada Aparecida Denadai, se elegeu graças ao cadáver do irmão.Porém, seus exemplos não valem um “tostão” do verdadeiro Denadai.