Uma série de irregularidades penais cometidas pela Caixa Econômica Federal no governo Michel Temer vai estourar no colo de Jair Bolsonaro, que toma posse como Presidente da República na terça-feira (01/01). É que a presidente do Conselho de Administração da Caixa, a economista capixaba Ana Paula Vitali Janes Vescovi, ignorou orientação do Departamento Jurídico e vazou para órgãos de controle externo relatório que contém dados bancários e fiscal de centenas de funcionários da instituição financeira. Pelo menos dois ex-dirigentes da Caixa no Espírito Santo também tiveram seus dados sigilosos vazados pela Caixa.
No dia 19 de dezembro de 2019, o sítio de notícias Congresso em Foco fez uma reportagem sobre o assunto, com a seguinte manchete: “Caixa expôs investigação contra funcionários sem aval do departamento jurídico”.
Partindo das informações do Congresso em Foco, o Blog do Elimar Côrtes se aprofundou no tema e obteve mais informações junto a algumas pessoas ligadas à Caixa. Ana Paula Vescovi é a atual secretária-executiva do Ministério da Fazenda.
Indignados, os funcionários – e ex-funcionários também – já entraram na Justiça Federal com ações individuais contra a Caixa em que pedem indenizações milionárias por danos morais causados pelo vazamento das informações. Os próprios funcionários auditados pela Caixa autorizaram a quebra dos sigilos bancários e fiscais de seus dados, acreditando, porém, que a instituição jamais iria vazar as informações.
As informações sigilosas constam no Relatório Final de Investigação Independente realizada pelo Escritório Pinheiro Neto Advogados, contratado pela Caixa para fazer uma auditoria interna no balanço do biênio 2015/2016 da Caixa. Os dados sigilosos são referentes a funcionários que exerciam cargos de chefia – dirigentes – na instituição.
Alguns dos auditados chegaram a ser indiciados na investigação interna, mas a maioria foi inocentada. O Relatório Final de Investigação recomendou à direção da Caixa a aprovação do balanço do biênico 2015/2016 e a continuidade da apuração de alguns auditados.
O relatório, no entanto, não recomendou nenhum afastamento de funcionários. Para os auditores, supostas irregularidades não chegaram a impactar no balanço financeiro da Caixa.
O então presidente da Caixa, Gilberto Occhio, e o diretor Jurídico da instituição à época, Jailton Zanon da Silveira, se manifestaram, durante reunião com o Conselho de Administração, presidido por Ana Paula Vescovi, discordância quanto ao envio do relatório de investigação para os órgãos de controle externo, como forma de garantir o sigilo bancário dos funcionários e o direito de defesa.
Em ofício, Ana Paula Vescovi apresentou dados sigilosos a outros poderes
De acordo com o Congresso em Foco, a ata da reunião em que houve discordância (no dia 7 de dezembro de 2017) só foi divulgada pelo Conselho quase um ano depois, em 29 de outubro de 2018. No documento, o diretor Jurídico Jailton Zanon fala claramente que era contra o envio de dados aos órgãos de controle devido à chance de “gerar exposição pública da empresa com risco de imagem” e porque lesaria o direito de defesa dos funcionários, “não se respeitando o direito aos sigilos bancários, fiscal e da intimidade das pessoas”.
Todavia, em ofício assinado em 11 de dezembro de 2017, logo após a uma tensa reunião do Conselho de Administração com a Diretoria Executiva da Caixa, a capixaba Ana Paula Vescovi encaminhou o Relatório Final de Investigação Independente para o Ministério Público Federal (MPF), Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria-geral da União (CGU), Banco Central e Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda.
“Em atendimento à determinação do Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal, encaminho o Relatório Final de Investigação Independente, de 20/11/2017, referente ao trabalho realizado pelo Escritório Pinheiro Neto Advogados, contratado para ampliar e aprofundar o escopo das investigações internas desta Instituição, relacionados aos processos investigativos da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, nos termos da Resolução nº 454, da Ata 475, do Conselho de Administração de 28/08/2017”, diz o ofício assinado por Ana Paula Vescovi.
Só que o Relatório Final de Investigação informa que o documento foi “elaborado exclusivamente para o Comitê Independente da Caixa Econômica Federal”. Por isso, as pessoas que se sentiram prejudicadas já acionaram a Caixa na Justiça. É o caso do ex-presidente da Caixa e atual ministro da Saúde, Gilberto Occhi, que processou também a capixaba Ana Paula Vescovi.
O ministro Occhi já obteve uma liminar, na Justiça Federal do Distrito Federal, que proíbe a Caixa de continuar enviando relatórios para os órgãos de controle externo.
O relatório, de 338 páginas, narra os casos investigados pela Lava Jato e seus desdobramentos nas operações A Origem (2015), Sépsis (2016) Cui Bono (2017) e Patmos (2017). O documento ainda expõe os termos de três delações premiadas (do doleiro Lúcio Funaro, de seu ex-sócio Alexandre Margotto e do ex-vice-presidente da Caixa, Fábio Cleto) e examina 12 operações financeiras da Caixa, com citações aos participantes de cada uma.
Ata da reunião desmente presidente do Conselho de Administração
Ao Congresso em Foco, Ana Paula Vescovi disse que a demora de quase 11 meses na divulgação da ata “se deu por divergência do texto” entre os conselheiros e o então presidente da Caixa, Gilberto Occhi. O Blog do Elimar Côrtes apurou, entretanto, que a ata somente foi divulgada após a decisão do agora ministro da Saúde, Gilberto Occhio, em entrar na Justiça contra a Caixa e contra Ana Paula Vescovi.
Somente no dia 29 de outubro de 2018 o ex-presidente da Caixa, Gilberto Occhio, assinou a ata, agora na condição de ministro da Saúde. Segundo as mesmas fontes, Ana Paula não queria que constasse na ata a manifestação do Departamento Jurídico da Caixa.
A capixaba Ana Paula Vescovi garantiu ao Congresso em Foco que o Departamento Jurídico da Caixa “nunca fez parecer contrário” ao envio da investigação a órgãos de controle, e que não houve quebra de sigilo de qualquer funcionário na investigação interna.
Entretanto, o Blog do Elimar Côrtes teve acesso a uma parte da ata, na qual o então diretor Jurídico, Jailton Zanon, é enfático. A citação dele na ata desmente a versão apresentada por Ana Paula Vescovi ao Congresso em Foco:
“Contrário ao encaminhamento imediato do Relatório do PNA para órgãos externos sem análise prévia da Caixa sobre as recomendações consignadas no documento, considerando a manifestação do Diretor Jurírico, Jailton Zanon da Silveira, que entendeu que isso pode gerar exposição pública da empresa com risco de imagem e também dos investigados sem lhes oportunizar o contraditório e a possibilidade de defesa, não se respeitando o direito aos sigilos bancários, fiscal e da intimidade e da privacidade das pessoas. Sugiro que o documento seja encaminhado somente ao Banco Central do Brasil (BACEN) de imediato e, após sua avaliação pelas áreas internas da Companhia dos apontamentos, aos demais órgãos”.
A ata, como se sabe, foi finalizada somente em 29 de outubro de 2018. Ana Paula Vescovi enviou as informações sigilosas aos demais órgãos em dezembro de 2017. Ou seja, com quase um ano de antecedência e sem análise prévia da Caixa, descumprindo, assim, orientação da Direção Jurídica da instituição.
Funcionários vão à Justiça contra a Caixa e capixaba também pode ser processada
Funcionários da Caixa que tiveram seus dados expostos já procuraram a Justiça Federal, onde protocolaram ações em desfavor da Caixa com pedido de indenização. Pedem mais de R$ 1milhões por danos causados pela exposição. Em alguns casos, o Ministério Público Federal, com base no relatório sigiloso da Caixa, recomendou o afastamento e demissão de funcionários.
Houve, nesse período, mudança no Estatuto da Caixa Econômica, além de repercussão negativa na mídia. Até quem não foi indiciado pela auditoria interna teve seus dados expostos.
No futuro, quando caso perca ações judiciais no episódio do vazamento dos dados sigilosos, a Caixa poderá entrar com ação regressiva contra Ana Paula Vescovi, uma vez que teria sido ela, na condição de presidente do Conselho de Administração da instituição, a responsável pela remessa dos dados sigilosos aos órgãos de controle externo.
O direito de regresso é o meio do qual o Estado dispõe para dirigir a sua pretensão indenizatória, de ressarcir-se do prejuízo que o agente responsável pelo dano causou, na oportunidade em que agiu com dolo ou culpa contra terceiro.