Qualquer cidadão brasileiro – desde que não seja enquadrado na Lei da Ficha Limpa – tem direito a se filiar a um partido político e postular entrar na disputa por um cargo eletivo. O problema é o que mostrar? O que apresentar de bom à sociedade para fazer jus ao voto do eleitor.
Deve ser esse o questionamento que o cidadão pernambucano André de Albuquerque Garcia, que acaba de deixar a titularidade da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo (Sesp) estar se fazendo.
André Garcia fala com orgulho do período de 10 anos que está no Espírito Santo. Veio para o Estado trazido pelo delegado federal aposentado Rodney Miranda, de quem foi subsecretário na mesma Sesp de 2008 a 2010, quando assumiu a titularidade da Pasta.
Já em 2011, André Garcia foi alçado a chefe da recém criada Secretaria Extraordinária de Ações Estratégicas, no governo de Renato Casagrande (PSB). A mando de Casagrande, Garcia ajudou a criar o Estado Presente, programa de segurança pública que uniu a prevenção e o combate à violência, tornando-se modelo para outros estados brasileiros.
Em 2013, André Garcia acabou se tornando secretário da Segurança Pública, depois de uma rápida passagem pela Secretária de Estado da Justiça.
De 2011 a 31 de dezembro de 2014, o programa Estado Presente foi uma realidade no Espírito Santo. Mesmo sendo mantido como secretário da Segurança pelo atual governador, Paulo Hartung (PMDB), a partir der janeiro de 2015, André Garcia passou, no entanto, a ignorar o programa que ele ajudou a construir. O Estado Presente e suas ações deixaram de existir.
O Espírito Santo iniciava, aí, a retomada do descontrole da segurança pública. Nos quatro anos de governo Casagrande, o Estado conseguiu reduzir drasticamente os índices de violência e criminalidade.
O ápice da crise na segurança com André Garcia estourou em fevereiro de 2017, quando familiares de policiais militares iniciaram um movimento, com o bloqueio das unidades da PM, culminando com o aquartelamento de 22 dias. A partir daí a violência só aumentou.
Esta terceira passagem nada positiva do pernambucano André Garcia pela Secretaria da Segurança Pública está registrada na pesquisa realizada pelo Instituto Futura e divulgada nesta terça-feira (17/04) pelo jornal A Gazeta.
À pergunta “Como você avalia a atuação do governo do Estado em relação à segurança Pública?”, pelo menos 64,6% dos capixabas responderam “ruim ou péssimo”. Apenas 10,5% responderam “ótimo e bom”, contra 24,4% responderam que consideram “regular”.
O tema ‘segurança pública’ é o segundo pior serviço do governo Paulo Hartung avaliado pela população. Em primeiro lugar encontra-se a saúde, considerada “ruim e péssimo” por 69% das pessoas entrevistadas. Em terceira pior colocação, está a educação, com 56,1% das pessoas considerando-a “ruim e péssimo”.
A Futura informa ter realizado 800 entrevistas, em 20 municípios, entre 10 e 12 de abril. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais. A pesquisa está registrada no Tribunal Regional Eleitoral sob o número ES-04600/2018.
Os números são desfavoráveis ao pernambucano André Garcia caso ele queira explorar sua terceira passagem pela Sesp numa eventual campanha eleitoral. É que o Estado fechou o ano de 2017 com 1.403 homicídios. Um crescimento de 18,8% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 1.181 assassinatos.
Nos últimos quase quatro anos, as Polícias Militar e Civil têm sido enfraquecidas em detrimento de uma política publicitária que visa mais o discurso que enaltece e personaliza as ações individuais de certos atores da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, cujo objetivo maior foi o de ocupar espaços com intenções políticos-eleitoreiras.
O Espírito Santo vinha numa queda importante, fruto de uma política estabelecida em 2011 e elogiada até por organismos internacionais, que foi o Estado Presente, programa adotado pelo governo Renato Casagrande que continuou tendo reflexo nessa terceira era Paulo Hartung. Em 2012, foram 1.660 homicídios; 1.564 no ano seguinte; 1.529 em 2014; e 1.391 em 2015.
Nos últimos meses, o então secretário André Garcia costumava atribuir ao aquartelamento dos policiais militares e à desestruturação das famílias a responsabilidade pelo aumento da criminalidade no Espírito Santo.
Mas ele sabe melhor do que muitos que a crise na PM se deu devido à arrogância e prepotência de um governo – do qual ele se insere – que nunca se permitiu discutir com as entidades de classe dos policiais melhorias nas condições de trabalho e reajuste salarial.
André Garcia aceitou o desafio de permanecer no cargo de secretário da Segurança Pública, mesmo sabendo que os capixabas, a partir de janeiro de 2015, passariam a “comer muito sal”, termo usado pelo governador Hartung para justificar os cortes em todos os setores do Executivo – segurança pública, saúde, educação e demais áreas sociais.
Na segurança pública, o reflexo dos cortes foi notado de imediato: redução de combustíveis para viaturas, fechamento de diversas Delegacias de Plantão das Regionais, não-realização de concursos para as polícias Civil e Militar, sucateamento das unidades policiais. Enfim, problemas que geraram desconforto e desestimulo aos operadores de segurança pública, contribuindo, assim, para o recrudescimento da violência.
Um retrato da falência está nas péssimas condições das estruturas físicas das unidades da Polícia Civil na Grande Vitória, além da escassez de efetivo – falta de investigadores, escrivães, delegados, médicos-legistas, peritos criminais e papiloscópicos, dentre outros profissionais.
A situação é tão grave que o Ministério Público Estadual instaurou dois inquéritos com a finalidade de apurar a responsabilidade civil do Estado e, se for o caso, a responsabilidade também dos gestores, o que, no futuro, ensejaria ação de Improbidade Administrativa.
Fica, portanto, difícil para um candidato encontrar legado positivo dentro da segurança pública para vencer uma eleição. Está tudo errado. Tanto que relatório lançado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) revela que o Espírito Santo possui 134 unidades (Delegacias e setores da Perícia) de Polícia Civil. Deste total, apenas sete contam com o número de policiais suficiente para o adequado exercício da atividade-fim, que é a investigação de crimes.
Pode ter sido, portanto, um erro estratégico e político de André Garcia que, na condição de secretário da Segurança Pública, ter abandonado um de seus principais acertos no passado: o de ter ajudado a implantar no Espírito Santo o Programa Estado Presente.
Cuidar da segurança pública exige muito mais do que jogadas de marketing e política. Exige muito mais do que rostos bonitos nas redes sociais. Exige, sobretudo, comprometimento com as instituições policiais, sem, no entanto, render-se a questões corporativistas.
Exige, principalmente, conhecer cada palmo do Espírito Santo; conhecer sua cultura e o modo de pensar e agir de seu povo, algo que não se aprende com apenas 10 anos vivendo em solo capixaba.
Não foi à toa que logo em suas primeiras entrevistas à imprensa ao assumir o cargo de secretário da Segurança Pública – no lugar do próprio André Garcia –, o coronel PM Nylton Rodrigues Ribeiro Filho declarou:
“Foram 30 anos me dedicando à segurança pública do Estado. É um capixaba para tomar conta dos capixabas. Nós conhecemos bem o Estado, estamos dentro da Secretaria (da Segurança Pública) há 30 anos, sabemos o que fazer”.