O cabo reformado da Polícia Militar Lastênio Nascimento Costa, 89 anos, tem muitas histórias para contar. Ele entrou na PM em dezembro de 1951 e foi para a Reserva Remunerada em 30 de junho de 1980. É do tempo em que praticamente existia uma polícia única, o que, naquela época, facilitava a elucidação de crimes e a prisão dos bandidos.
Dono de uma memória invejável, cabo Lastênio, que nasceu em Fundão, se recorda até o horário exato em que chegou, há quase 69 anos, a Alegre – transferido pelo Comando Geral da PM e onde vive até hoje com a família:
“Em 18 de outubro de 1952, às 15 horas 55 minutos. Vim em um trem que fazia viagens diretas: de Argolas, em Vila Velha, a Carangola, Minas Gerais”, relata ele nesta entrevista ao Blog do Elimar Côrtes.
Saudável, Cabos Lastênio toma todos os cuidados neste período de pandemia do novo coronavírus. Porém, não deixa de trabalhar em sua propriedade, que fica no distrito de Celina, em Alegre, para onde vai dirigindo seu próprio carro (ele reside na Sede do município.
Cabo Lastênio, que foi para a Reserva Remunerada como 3º sargento, mas é conhecido como Cabo Lastênio, conta nesta entrevista um pouquinho da história da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo. Relata também das prisões que ajudou a efetuar com a equipe da Delegacia de Capturas, que percorria todo o Estado atrás de fugitivos da Justiça.
Dois desembargadores capixabas descrevem o cabo Lastênio como um cidadão honesto, valente e corajoso. O militar aposentado foi e continua sendo uma referência a ser seguida e afirma: “Ainda sou um soldado de Ortiz”, afirma cabo Lastênio.
Há 66 anos é casado com a alegrense Sebastiana Zappavigna Costa (Dona Filinha), com quem teve cinco filhos, todos naturais de Alegre. “Tenho muito orgulho de minha família”, diz Lastênio.
(Foto acervo próprio: Da esquerda para a direita, Marcos Aurélio Costa (filho), Júlio Cezar Costa (filho), José Carlos Costa (filho), Sra. Sebastiana Zappavigna Costa (Dona Filinha – esposa), Sr. Lastênio Nacimento Costa, Edna Maria Costa Alves (filha) e Ana Maria Zappavigna Costa Starling (filha).
Os desembargadores Alemer Ferraz Moulin e Sérgio Luiz Teixeira Gama, ambos alegrenses e ex-presidentes do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, destacaram:
“Lastênio escreveu história na cidade onde nasci. Ao lado de outros militares, deixou saudades pela coragem que tinha” e “O cabo Lastênio foi o mais corajoso policial que conheci. Leal, honesto e respeitador da sociedade alegrense”.
Blog do Elimar Côrtes – O senhor é natural de onde?
– Cabo PMES Reformado Lastênio Nascimento Costa – Nasci no município de Fundão, onde passei a minha infância e adolescência trabalhando nas terras de nossa família, lugar esse que até os dias atuais é cultivado pelos nossos irmãos e sobrinhos, no Distrito de Timbuí.
– Quando o senhor ingressou na Polícia Militar?
– Em dezembro de 1951.
– Por que o senhor entrou para a polícia?
– Eu trabalhei na Vale do Rio Doce por cerca de seis meses como praticante de datilografia, em Fundão. Queria fazer carreira na Vale. Como não houve o concurso na data marcada, resolvi sair e ingressar na PM que estava selecionando novos soldados.
– Onde foi o Curso de Formação de Soldados?
– Começamos no antigo Quartel do Moscoso (Parque Moscoso, Centro de Vitória). Em janeiro de 1952, a Polícia Militar transferiu a formação para o Quartel em Maruípe, onde concluímos o curso de soldado.
– Qual foi o primeiro lugar que o senhor trabalhou na PMES?
– Em Vitória e, depois, por quase 30 anos, em Alegre.
– Quem foi seu primeiro chefe?
– O meu primeiro comandante em Vitória foi o então capitão Carlyle Neto.
– Sendo natural de Fundão, cidade localizada mais ao Norte de Vitória, como o senhor foi parar em Alegre?
– Na época, o tenente Pedro Leal, que atuava como delegado de Polícia, foi ao Quartel de Maruípe e solicitou ao Comando Geral a minha vinda para o município de Alegre. Comigo também vieram os soldados João Villas Boas e Alonso.
– Qual era o efetivo do Destacamento da PM em Alegre chegou?
– À época, as investigações e o policiamento ostensivo eram feitos pela Polícia Militar. Assim, a Delegacia de Alegre possuía um efetivo de dez policiais militares e, ainda, mais uns quatro que pertenciam à Delegacia de Capturas, Zona Sul do Estado.
– Quem era o comandante de Alegre?
– Haviam dois Oficiais. Os tenentes Pedro Leal e o Barbosa Lima. O Pedro Leal era o delegado Municipal e o Barbosa Lima, delegado de Capturas. Os tenentes se revezavam nas duas funções.
– Em que dia, mês e ano o senhor chegou em Alegre?
– Em 18 de outubro de 1952, às 15 horas e 55 minutos. Vim em um trem que fazia viagens diretas: de Argolas, em Vila Velha, a Carangola, Minas Gerais. Uma viagem demorada, mas tranquila. Saímos às 6 horas da manhã e chegamos às 15h55 na Estação Ferroviária de Alegre, de onde segui a pé até as dependências da Delegacia de Polícia, a mesma em funcionamento até hoje.
– O senhor viajou fardado, armado. Como foi?
– Naquela época era obrigado viajar fardado. Então trouxe comigo o fuzil e as minhas bagagens pessoais, além da “ficha de socorrimento”, um tipo de prontuário de acompanhamento do armamento que a PM disponibiliza para seus policiais no interior.
– Fale um pouco do hoje coronel Pedro Leal?
– A meu juízo, foi o melhor delegado que tivemos em Alegre. Um homem de fino trato, equilibrado, sensato e correto. Aqui, o então tenente Pedro Leal concluiu seus estudos básicos no Colégio Aristeu Aguiar. Era bem quisto junto à sociedade alegrense. Ele se alojava na Delegacia de Polícia. Saiu daqui no ano de 1954, como capitão da PMES, deixando um legado de honestidade e trabalho, e depois exerceu o mandato de deputado estadual por várias legislaturas.
– Como era ser policial na década de 1950, quando o senhor ingressou na corporação?
– Nas tarefas como policial militar, fazíamos um plantão que, muitas vezes, era mais de uma vez por semana. Fazíamos também o serviço de patrulhamento ostensivo, realizado em dupla. Às vezes, trabalhávamos por mais de 24 horas seguidas. Atendíamos inclusive aos distritos. Alegre era um município extenso e próspero. Ibitirama, Jerônimo Monteiro e Anutiba, eram os distritos onde mais atuávamos fora da Sede.
Trabalhávamos para garantir, como já dissemos, o bem estar da sociedade. Vários moradores sequer fechavam as janelas de suas residências para dormirem, porque sabiam que existia uma Polícia Militar ativa e atuante. De quando em vez, o município de Guaçuí solicitava à Delegacia de Alegre os nossos serviços naquela cidade.
Em 1956 fui destacado para o Distrito de Rive, atuando como o único policial naquele lugar. A “cadeia” era embaixo da casa onde morávamos, devido a inexistência de instalações policiais do Estado naquele distrito.
– O senhor participou do “Guerra do Contestado”, em Barra de São Francisco, Região Noroeste do Estado, que faz divisa com Mantena (Minas)?
– Sim. No ano de 1957 fomos enviados aquele local – alguns policiais militares de Alegre, que se somaram a outros no QCG, em Maruípe. Dali fomos conduzidos até Colatina. Ficamos alojados na Delegacia e, posteriormente, seguimos para Barra de São Francisco. Ficamos acampados em barracas de lona. Vale ressaltar que nessa ocasião, pela primeira, e talvez única vez na história da PMES, o Comando Geral foi transferido para uma cidade do interior, Barra de São Francisco.
– O que causou o Contestado?
– O que houve no Contestado era que o Estado de Minas Gerais, com suas tropas militares alojadas em Mantena, tinha como objetivo “conquistar” o Porto de São Mateus e Conceição da Barra. As tropas da PM capixaba ficaram estacionadas em diversos lugares estratégicos e éramos entrincheirados nos locais onde havia acesso de Minas Gerais ao Espírito Santo. Cavamos várias trincheiras como barreira e posicionamento das tropas capixabas.
– Houve combate entre as tropas das PM’s capixaba e mineira?
– Felizmente, não. Depois, quando o Governo Federal determinou que aquelas áreas pertenciam ao Estado do Espírito Santo houve uma grande alegria, uma festa entre os efetivos das PMs.
A convivência sempre foi pacífica. Nós, capixabas, íamos à Mantena, em Minas, e os militares mineiros vinham a Barra de São Francisco, isto após a notícia de reconhecimento de que aquelas terras eram, de fato, capixabas. Meus companheiros de trincheira foram os soldados Paulo Vieira e João Gonçalves da Luz, anos depois assassinado cruelmente no Norte do Estado.
Passados aproximadamente 50 a 60 dias, retornamos a Vitória, onde recebemos ordens do Comando Geral da PM para voltarmos aos Destacamentos de origem. Mas, com a ressalva de que, dias depois, deveríamos voltar a Vitória, para desfilar, no 7 de Setembro, em comemoração à Independência do Brasil.
– Como foi participar de um evento histórico como o “Contestado”?
– Foi muito sacrificante para toda a tropa, mas foi muito importante para o Estado do Espírito Santo. A PM se mostrou corajosa e importante na defesa dos interesses do nosso povo, e Barra de São Francisco passou a ser a “sentinela capixaba”.
– A história conta que o ex-governador Francisco Lacerda de Aguiar (Dr. Chiquinho) andava no Jeep da Polícia. Conte um pouco dessa história.
– Quando o então governador Francisco Lacerda de Aguiar vinha de Vitória com destino a Guaçuí, ele só conseguia chegar, por estradas pavimentadas, até o distrito de Rive. Dali, era conduzido até o distrito de Celina, indo no Jeep da Delegacia de Polícia de Alegre, por ser o trecho Rive x Celina, de estrada batida.
– Quando o senhor tirou as suas primeiras férias na carreira?
– Férias? Eu nunca tive férias! Devido à escassez de efetivos e também pela necessidade do serviço, contei as férias não gozadas, em dobro, no momento da transferência para a reserva remunerada.
– O que foi a “Captura”?
– A Delegacia de Capturas foi um serviço especial responsável pelo desmantelamento do “bandidismo” no Estado do Espírito Santo, em uma época em que tudo era escasso para o cumprimento da missão policial.
– Em quais os municípios o senhor atuou na “Captura”?
– Nossa responsabilidade se estendia por todos os municípios do Espírito Santo, inclusive, atravessando as divisas estaduais para lograr sucesso nas diligências que nos eram determinadas pelo Comando.
– Quem eram os companheiros do senhor na “Captura”?
– Os soldados Paulo Vieira; Eurides Rodrigues (o Cigano); José Assis do Nascimento; Roberval Severo e João Gonçalves da Luz. De quando em vez, se somavam a nós o soldado PM Manoel Rafael de Arcanjo e o cabo PM Altair Miranda de Matos Pinto. Tínhamos como comandante o então tenente, depois capitão, Joubert Costa.
– Quais foram os principais criminosos que o senhor prendeu na “captura”?
– Francisco Lima da Silva, mais conhecido como “Filinho Fortuoso”; um outro foi o cidadão apelidado como “Barba” e o João Machado. Este último, na nossa visão, era, à época, o mais perigoso bandido do Brasil. Ele era de Mutum (Minas) e atuava em todo o Brasil. Afilhado do coronel “Bimbinho”.
(Fotografia acima registrada na Rua da Beira Linha, após o Pontilhão de Ferro, na cidade de Guaçuí/ES em 1959, durante a elucidação de mais um crime por parte da Delegacia de Capturas do Sul do Espírito Santo. Da esquerda para a direita, tenente PMES Joubert Costa, Baianinho (homicida), soldado João Gonçalves da Luz, soldado Jairo (co-autor do crime) e o cabo Lastênio Nascimento Costa com a submetralhadora INA na mão.)
O João Machado matava, a princípio, os comparsas do “coronel Bimbinho”. Este, revoltado, empreitou a execução do João Machado. Esta empreitada teria sido confiada a um “famoso” tenente da PMES, que só não obteve êxito, porque, nas imediações da localidade de Condurú, no Sul do Estado, sendo a estrada muito ruim, João Machado conseguiu evadir-se, pulando do Jeep sumindo pelo canavial.
Isto é um fato que foi narrado pelo João Machado, à época de sua prisão, efetuada por nós na Praça Costa Pereira, em Cachoeiro de Itapemirim.
Além desses, prendemos também vários outros criminosos: “CF”, um agricultor promissor na região de Iúna. Ele foi capturado por nós dentro da sua residência, onde resistiu à prisão, portando um revólver, uma espingarda calibre 28 engatilhada, e um punhal. Ele estava escondido num quarto e nos surpreendeu quando estava saindo de uma sala de jantar, próximo ao portal do quarto da sua residência. Aí, ele apontou a espingarda engatilhada na minha direção. Tive a sorte de conseguir me proteger, atrás de um portal de madeira. Em seguida, a esposa dele entrou correndo e, assim, eu a segurei e fiz dela o meu escudo. Mesmo assim, ele não se deu por vencido. Tive que apreender a espingarda, o revólver e um punhal, com dificuldade. No bolso da camisa de couro havia um “saco de oração”. Sofri duas tentativas de homicídio por ter efetuado aquela prisão.
O “CF” não se deu por vencido. Uns tempos depois, ele propôs aos pistoleiros Joel, Manoel de Assis (mais conhecido como “Manoel Cabrito”) e “Barba”, para me executarem. Daí a algum tempo, prendemos o “Barba” em Muniz Freire e este me relatou o acontecido.
Durante uma madrugada, após o fechamento de uma casa de prostituição, o Manoel de Assis e o Joel mandaram um adolescente na Praça Seis de Janeiro, no Centro de Alegre, para me avisar que estava havendo uma confusão na citada casa. Achando estranho o recado, por já ter havido fechado a casa das “mulheres”, fiz a identificação do adolescente e o mandei ir para casa. No dia seguinte, fui à casa do menino e pedi autorização para saber o porquê do estranho chamado. O menino então me disse que havia feito isto por um pedido dos criminosos Manoel de Assis e o Joel.
Cito também a prisão do “JCO”, que dizia ser tenente do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e começou a atuar, primeiramente, em Guaçuí, mas tinha moradia fixa no Distrito de Celina, pertencente a Alegre.
Dias depois, a quadrilha do “JCO” furtou um veículo em Jerônimo Monteiro. O então delegado João Brito acionou a Delegacia de Alegre para que fossem tomadas as providências para a solução do caso.
Neste momento, tive a ideia de apanhar o veículo próprio para me dirigir à Celina, na residência do criminoso, e “oferecer” para negociar o veículo de minha propriedade. Isto fiz, como estratégia para chegar ao criminoso, sem levantar suspeitas. Ele não se interessou na “suposta venda”. Sendo assim, me dirigi a Guaçuí e vi, pelo retrovisor do meu carro, que ele estava me seguindo. Parei no viaduto de Guaçuí, como se o carro tivesse com um defeito. Ele caiu na “armadilha”. Parou o Jeep que conduzia e foi oferecer socorro. Neste momento, dei voz de prisão, apontando, para ele, o revólver. O desarmei e, ao fazê-lo, um botão da camisa dele foi arrancado e ele então, me ameaçou de que eu pagaria um alto preço.
Estávamos eu e o soldado Paulo Vieira. Assim, o conduzimos à Delegacia de Guaçuí e o apresentamos ao major Altivo, então delegado de Polícia de Guaçuí. Pedi ao major Altivo que o conduzisse a Alegre para ser ouvido acerca do roubo do Jeep furtado em Jerônimo Monteiro. O major concedeu ao criminoso todas as honras militares, pois o mesmo continuava afirmando que era oficial do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.
No dia seguinte, fizemos uma ligação ao secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, visando obter informações sobre o suposto oficial “JCO”.
O secretário nos disse que o “JCO” era integrante de uma quadrilha, que tinha como endereço principal a região de Magé (Rio). Entretanto, a quadrilha agia em todo o Estado do Rio e Sul do Espírito Santo, roubando diversos veículos.
Ao final, “JCO” foi preso, processado e julgado pela Comarca de Alegre e, posteriormente, foi levado para a Penitenciária do Estado, em Vitória, onde cumpriu a sua pena.
– Como se deu a vinda do 3º Batalhão da PM para Alegre?
– À época, o então prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Nello Vola Borrelli, não aceitou sediar o 3º Batalhão naquele município. Deste modo, o então deputado estadual, Dr. Oscar de Almeida Gama, interessou-se, juntamente com o então prefeito, Antônio Lemos Junior, pela vinda do Batalhão para Alegre.
O prefeito Antônio Lemos deu sinal positivo para que fosse escolhido o local onde deveria ser construído o Batalhão. Estiveram em Alegre, como participantes da Comissão para a construção do 3º Batalhão, os então capitães Jorge Devens de Oliveira e Wlamir Coelho da Silva. Chegando em Alegre, fomos ao prefeito que abriu as portas para que o 3º Batalhão fosse construído no Campo de Aviação, no Centro da Cidade.
Os membros da Comissão entenderam que o Campo de Aviação não era o local adequado pelas suas características. Assim, me telefonaram e solicitaram que eu conversasse com o prefeito e fosse anexado (comprado) uns 20 metros de largura, indo até ao Rio Alegre.
O prefeito disse que poderiam visitar outras áreas. Foi então indicada a propriedade da família Lucindo. Só não ficariam como terreno do 3º Batalhão, as residências já pré-existentes e a área já reservada para futuras residências naquela região da Cidade.
Gostaram da localização, porém disseram que a Polícia Militar do Espírito Santo não tinha como arcar com as despesas para rebaixamento do “morro”, visando à construção do Batalhão.
O prefeito não tinha maquinário no município e foi através de mim, do Dr. Warlen Campos e do Sr. Waldemar Costa Navega (Fragoso), que o prefeito de Guaçuí, Sr. Arnaldo Lucindo, cedeu o trator com o operador, sendo pagas as despesas de óleo e operador por mim, Dr. Warlen Campos e o Sr. Waldemar Costa Navega (Fragoso).
Isto deu-se no final dos anos 60 e início da década de 70, após a guerrilha do Caparaó, na divisa entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
– No livro dos 150 anos da PMES, o senhor é citado como membro do destacamento precursor do 3º Batalhão. Conte um pouco desta história.
– O Comando Geral da PM destacou o então tenente Nascif Alcuri e vários militares para efetuar os serviços necessários no aprontamento do 3º Batalhão. Foram meses de preparação para a conclusão e inauguração do Batalhão, que seria chamado de “A Sentinela do Caparaó”. A Unidade foi inaugurada em 17 de agosto de 1974, tendo como seu primeiro comandante o então tenente-coronel Jorge Calazans.
– Os desembargadores Alemer Moulin e Sérgio Gama disseram que o senhor foi um policial muito ativo, de coragem e inteligente nas suas investigações. Como foi prender o barbeiro após fazer a barba com ele?
– Este crime ocorreu no início da década de 1970 e foi o mais bárbaro que já elucidei. O fato se deu aqui em Alegre, próximo ao Cemitério Velho. No lugar do crime não haviam casas residenciais, o que, em tese, facilitou a execução covarde do Walfrido Valadão.
Walfrido trabalhava com seu pai, no Hotel Rio Branco que era de propriedade da família, na Avenida Jerônimo Monteiro, em Alegre.
Tomei conhecimento, através de um vigia da Prefeitura, de que havia um cidadão morto naquele local. Eram 5 horas da manhã. Me dirigi imediatamente para lá. Chegando ao local, constatei que a pessoa que havia sido morta era o Walfrido Valadão.
Este crime horrendo se deu, ao que apuramos, por ciúmes. Uma mulher ainda jovem teria tido um caso com o Walfrido, mas, segundo apurações, ela era também amante do “Barbeiro”.
Foi feita uma emboscada da seguinte maneira: a moça conduziu o Walfrido até o local do crime e pediu a ele que se despisse e, assim, o levou, dissimuladamente, até onde estava escondido o assassino. Ele não teve como se defender. Tomou um tiro na nuca; golpes de navalha no pescoço e na barriga e foram cortados os seus “escrotos”.
Após este assassinato brutal, usamos como estratégia fazer barba com o que se supunha ser o autor do crime. Assim, me dirigi à barbearia. Não fazer a barba, como disse, foi uma estratégia. Aguardei que o Sr. Eliezer Tristão terminasse de fazer a barba e saísse da barbearia para então dar voz de prisão ao Barbeiro. Disse a ele que a sua amante também tinha confessado e já estava presa. Ele então entregou uma navalha suja de sangue. Perguntei aonde estava a outra arma do crime. Assim, ele foi conduzido por mim até a sua residência, onde apreendi o revólver usado para matar Walfrido.
– E em Guaçuí o que senhor tem a contar sobre a atuação da “Captura”?
– No final da década de 1950, ocorreu em Guaçuí/ES o homicídio de Liberato Spala (Luquinha), supostamente a mando do então delegado de Polícia “ADP”, que teria contratado um “pistoleiro” conhecido por “Baianinho”, este um matador de aluguel que atuava em Cachoeiro, junto com outros criminosos, sob o comando, segundo diziam, de um oficial da PM, o “HB”.
“Baianinho” chegou a Guaçuí, acompanhado pelo cabo PM Agnel Barbosa, tendo se unido ao soldado PM Jairo, que agiu como coautor do crime que vitimou “Luquinha”.
Com a grande repercussão da morte de “Luquinha”, o tenente Joubert Costa, comandante da “Captura”, recebeu ordens de Vitória para desvendar o crime que havia assustado a comunidade guaçuíense.
Chegando em Guaçuí, o delegado de Polícia ADP, que mais tarde teria seu nome envolvido como mandante do crime por motivos passionais, fez de tudo para atrapalhar a apuração do homicídio pela “Captura”.
O comandante, então tenente Joubert Costa, comunicou o ocorrido ao secretário de Interior e Justiça, general Darcy Pacheco de Queiroz, que ao tomar conhecimento dos fatos, determinou o imediato retorno da “Captura” para Guaçuí, exigindo a elucidação dos fatos.
Assim, no dia 28 de setembro do ano de 1959, um dia antes da Festa da Cidade, começamos a investigar o crime, que se deu na Rua da Linha. Fomos à casa de um conhecido, morador próximo ao local onde houvera sido executado “Luquinha”, que relatou haver visto uma pessoa, de terno, com uma arma na mão, correndo para o morro da exposição de Guaçuí. Então perguntamos se ele não havia reconhecido o elemento, ao que ele me respondeu que havia visto este homem com policiais na Praça de Guaçuí, em frente à Relojoaria Chequer. Perguntamos se ele podia citar os nomes dos policiais e ele me informou. Dentre os nomes, conduzimos o soldado PM Roberval Severo. Chegando à Delegacia, após interrogado, acabou por revelar as preparações e os participantes do crime.
Depois do que Roberval Severo nos revelou, fizemos diligências em Cachoeiro, com a finalidade de prender “Baianinho”, que estava em um dormitório, na localidade chamada “Coelho”.
Entramos e efetuamos a prisão. O pistoleiro estava armado e era de alta periculosidade e não teve oportunidade para reagir.
Voltamos a Guaçuí com tudo esclarecido, já conduzindo o “Baianinho”, que confessou ter matado “Luquinha” em coautoria com o PM Jairo e sob o mando do Delegado ADP, que já havia evadido de Guaçuí.
A elucidação do crime em tempo recorde trouxe um alívio para os guaçuíenses e grande reconhecimento aos trabalhos da “Captura”.
– Conte sobre o assalto ao Banco do Estado, em Jerônimo Monteiro, na década de 1970.
– Foi um assalto planejado, que se deu por uma quadrilha especializada nesse tipo de crime. Logo após o acontecido, fomos eu, e os tenentes Josias Schwartz e João Carlos Batista, designados pelo comando do 3º BPM para investigar o crime e solucioná-lo, sendo que logo surgiram informações da conexão com bandidos do Rio de Janeiro, pois os indícios levavam à participação de uma pessoa que era de Jerônimo Monteiro – o motorista do carro usado na fuga.
– Como foi prender a quadrilha de assaltantes a banco no Rio de Janeiro?
– Nós três fizemos uma viagem ao então Estado da Guanabara. Na cidade do Rio de Janeiro, o tenente Schwartz disse que iríamos para o Quartel Central, na PM2, e assim fizemos, mas sequer fomos atendidos por aquela seção. Aí eu disse que tinha amizade na cidade do Rio, com uma pessoa que trabalhava em uma Delegacia próxima à Central do Brasil. Lá chegando, fomos bem recebidos e fomos conduzidos ao delegado de Polícia.
Sabíamos apenas que o carro usado pelos bandidos era um táxi do Rio de Janeiro. O amigo policial nos levou até à Rua Baraúna, no pé do Morro do Juramento. Eu cheguei na portaria e me apresentei como um suposto candidato a uma vaga de motorista de táxi. Me conduziram ao dono da Empresa. Ele me perguntou o que eu precisava. Disse que estava sem serviço e precisava trabalhar. O dono da empresa, um homem sagaz, percebeu e disse que não precisava esconder nada. Foi aí que relatei o assalto ocorrido em Jerônimo Monteiro. O empresário apanhou o retrato do suposto motorista e disse que ele morava em Belford Roxo. Pedi ao porteiro e ali pernoitei na empresa. Ao amanhecer, o assaltante, que teve o papel de motorista para cometer o crime desceu o morro e a ele foi dito que era para me levar a um posto de gasolina para me entregar o carro abastecido, no qual, supostamente, eu iria trabalhar. Em lá chegando, desci e o rendi.
Logo após, chegaram os tenentes que estavam na mesma missão. O criminoso foi conduzido à Delegacia de “Capturas”, no Centro do Rio. Dali saímos com outros policiais e conseguimos prender mais dois dos assaltantes. O último, que era o chefe da quadrilha, conseguiu fugir, mas, tempos depois, foi capturado e conduzido para a uma Penitenciária no Espírito Santo.
– O senhor era tido como um policial durão e muito honesto. O que lhe deu esta fama?
– Atribuo à minha conduta dentro da legalidade e honestidade. Os tempos eram de recursos escassos e de muita abnegação ao trabalho como policial.
– O senhor se aposentou quando?
– Meu último dia de serviço ativo foi em 30 de julho de 1980, quando houve a publicação oficial de minha transferência para a reserva remunerada. A Polícia Militar e a sociedade me concederam várias homenagens pelos serviços que prestei em lealdade ao juramento de servir bem ao povo capixaba. Cumpri a minha tarefa e fui buscar outros afazeres, mas ainda me considero um “Soldado da Terra de Ortiz”.
– O que senhor fez depois que aposentou até se tornar vereador?
– Fui representante de firmas de adubo – FERTISOLO e BREFERTIL –, onde, com muito trabalho e dedicação, consegui fazer um excelente trabalho. Fui o primeiro colocado no Espírito Santo e, quarto no Brasil, como vendedor de insumos agrícolas para os proprietários rurais.
– Como foi ser eleito vereador e se tornar presidente da Câmara Municipal de Alegre?
– Foi um desafio. Embora não fosse um desejo latente, percebi que através do mandato de vereador poderia ajudar a melhorar a sociedade e o município de Alegre. Fui vereador por 12 anos consecutivos, de 1993 a 2004, até que decidi deixar a vida pública.
(Foto acervo próprio: Solenidade na Câmara Municipal de Alegre/ES, em 15 de agosto de 1998, à época presidida pelo vereador (cabo) Lastênio Nascimento Costa ao centro, tendo à direita, o vereador Antônio Bonfim Silva, vice-presidente da Câmara e à esquerda, o vereador José Alencar Cassa (Carabina), primeiro secretário.)
Fui eleito presidente da Câmara no ano de 1997. Encontrei uma Casa Legislativa em péssimas condições. Lembro-me que em dias de chuvas tínhamos que correr para que os projetos não sofressem danos. Além disso, me baseei, por ser de carreira militar, no propósito de tornar a Câmara Municipal um lugar de respeito e onde não houvesse tantos débitos. Eram praticamente impagáveis.
Os débitos começavam com o não pagamento de funcionários, com salários atrasados por seis meses. Os vereadores estavam há quatro meses sem receber também os seus salários. Soma-se a isto o aluguel do espaço onde funcionava a Câmara, que estava atrasado há um ano. Havia débitos também com os fornecedores. Para exemplificar, só com uma tipografia, a dívida já estava em cerca de seis mil reais há mais de dois anos.
– O que o senhor anda fazendo depois que deixou a política?
– Trabalhando intensamente na propriedade rural, que adquiri com a herança de meus pais e com muito esforço pessoal ao lado de minha esposa, dona Filinha.
(Foto acervo próprio: O casal, Sra. Sebastiana Zappavigna Costa (Dona Filinha) e o Sr. Lastênio Nascimento Costa, em evento social na cidade de Alegre, em 2017.
– Até hoje o senhor dirige e vai para a lavoura. Qual a receita para tanta disposição?
– Tenho orgulho de minha família, uma esposa que sempre me ajudou, com todos os meus filhos, genros, filhas, noras, netos e bisnetos. Vivi uma vida sem vícios. Uma vida realmente ativa na polícia, no comércio e na política, mas sempre cauteloso. O dia a dia do meu trabalho na propriedade me acrescenta força e vigor para continuar em busca da vida.
– Como o senhor vê a segurança pública nos dias atuais, com o alastramento das drogas ilícitas?
– Vejo como uma situação muito difícil, quase sem solução.
– Que conselho o senhor daria para os policiais mais novos?
– Em primeiro lugar, ao ingressar na corporação, exercer suas funções com respeito à sociedade e ter amor à profissão que abraçou, sendo leal aos seus superiores; ter disciplina e ser um agente de segurança com muitas atividades junto à sociedade a qual ele prestará serviço.
– O senhor quer acrescentar alguma coisa?
– Gostaria apenas de agradecer, primeiramente a Deus e a você, reafirmando a minha crença no respeito às leis e às autoridades, amando com intensidade a Polícia Militar do Espírito Santo, a quem também presto as minhas homenagens.
(Foto acervo próprio: Diploma concedido ao 3º sargento reformado Lastênio Nascimento Costa, pela Associação de Policiais Militares da Reserva do Estado do Espírito Santo (Aspomires), em 03 de abril de 2004.)