O 1º Juizado Especial Cível da Serra condenou o Banco BMG a indenizar um policial civil numa Ação Declaratória de Nulidade Cumulada com Pedido de Indenização por Dano Material e Moral. O policial foi representado na ação pelo Departamento Jurídico do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindipol/ES). A peça foi assinada pelo advogado Thiago Malaquias. A Justiça entendeu que o Banco BMG fez descontos indevidos em empréstimo consignado feito pelo policial.
De acordo com a Inicial, o policiais civil afirma ter realizado empréstimo consignado com o Banco BMG. Diz que foi depositado em sua conta o valor de R$10 mil, tendo sido descontada a primeira parcela no valor de R$ 512,11, e que já pagou R$ 28.991,29. Relata que entrou em contato com o banco e foi informado que se tratava de cartão de crédito consignado e que esse seria o seu saldo devedor.
O policial pleiteou a tutela de urgência para que o banco suspendesse os descontos em seu benefício previdenciário. E, no mérito, pediu a declaração de nulidade do contrato, com a restituição em dobro do valor descontado indevidamente e indenização por dano moral em valor a ser arbitrado por este Juízo.
O Departamento Jurídico do Sindipol conseguiu a liminar, em que a Justiça determinou ao banco a suspensão dos descontos no benefício previdenciário. Em contestação, o BMG afirmou que foi contratado cartão de crédito consignado, no qual ficou acordado que nos meses com utilização do cartão ou com existência de saldo devedor, o banco promoveria desconto do valor mínimo da fatura, cabendo ao cliente o pagamento complementar.
Informou ainda o BMG que foi emitido o cartão de crédito para o policial, tendo ele sacado o valor de R$ 9.085,00 e realizado compras com o cartão de crédito. Aponta que a utilização do cartão é pessoal e intransferível do cliente. O banco defendeu que não há a possibilidade de revisão do contrato. Por fim, afirma inexistir dano moral.
Para o juiz Fernando Cardoso Freitas, apesar de o banco ter anexado contrato de cartão de crédito consignado, não há qualquer indicação da forma como se realizaria o pagamento do valor do crédito disponibilizado ao cliente, por meio de crédito rotativo e exigência de juros exponenciais.
“Não é verossímil que o Autor fosse contratar limite de crédito rotativo com taxa de juros de aproximadamente 90% ao ano quando, sendo servidor público, possui ampla oferta de crédito consignado com taxas de juros em muito inferiores a esta”, ondera o magistrado.
“São verossímeis as alegações da parte Autora de que faria a amortização do crédito disponibilizado em sua conta mensalmente, de forma consignada, abatendo-se as parcelas do valor total até se atingir o montante creditado, acrescido de juros e, com isso, liquidar a obrigação, operação típica de empréstimo consignado, não sendo crível que pretendia pagar o referido valor no mesmo mês, como pretendeu o Requerido mediante a inclusão do referido valor em cartão de crédito consignado”, emendou Fernando Freitas.
Assim, prossegue o juiz na sentença, não se pode concluir, como tenta fazer crer o Banco BMG, que o valor depositado para o cliente de R$9.085,00 “seria para cobrança em cartão de crédito, tratando-se a operação tal qual ofertada e indicada pelo Autor de contratação de crédito pessoal/empréstimo consignado. Em nenhum momento o Requerido (banco) comprova que a referida contratação estaria incluída no bojo do negócio jurídico de cartão de crédito consignado, ou mesmo que teria informado essa situação à parte Autora, não sendo o contrato de cartão de crédito consignado suficiente para comprovar a referida circunstância”.
Para o juiz Fernando Freitas, “ouve, assim, na conduta do Requerido (BMG) evidente violação ao direito de informação clara e precisa, insculpido no artigo 6º, III, CDC (Código de Defesa do Consumidor)”.
De acordo com o magistrado, ao fazer o policial civil crer que se tratava de crédito pessoal consignado, quando, em verdade, utilizou outro mecanismo para a cobrança dos referidos valores, o banco acabou por colocar o cliente em situação de excessiva onerosidade, uma vez que a modalidade escolhida arbitrariamente pelo BMG, sem informação ao cliente, é muito mais onerosa do que o crédito pessoal consignado.
Segundo o juiz Fernando Freitas, poderia o banco cobrar do cliente o valor total de R$ 17.604,00, conforme cálculo realizado pelo sistema do Banco Central do Brasil – calculadora cidadã. Assim, sobre as operações de crédito realizadas, conforme as planilhas do evento 2.2 tem-se que o banco cobrou do policial o valor total de R$28.991,29, conforme informação da própria petição inicial.
Desta forma, prossegue o magistrado na sentença, tem-se que o banco agiu regularmente ao promover o desconto dos valores da conta do cliente até o limite de R$ 17.604,00, tendo o contrato de cartão de crédito consignado estabelecido entre as partes, convertido em empréstimo pessoal consignado, que o Requerente contraiu com a referida instituição financeira, sido quitado quando os descontos atingiram o referido montante.
“Assim, todos os valores que foram descontados pela Requerida (banco) após o referido prazo são indevidos. Nesse sentido, condeno a Requerida (BMG) a restituir à parte Autora o valor de R$ 11.387,29, a ser corrigido monetariamente a partir do ajuizamento da ação e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Referido valor deve ser devolvido de forma simples, uma vez que não vislumbro má-fé na conduta do Requerido, tendo promovido em sua maioria descontos legítimos do benefício previdenciário da parte Autora”.
O juiz concluiu: “Diante do exposto, rejeito a prejudicial de mérito de prescrição, mas acolho a prejudicial de mérito de decadência da pretensão de anulação do negócio jurídico, julgando improcedente este pedido nos termos do artigo 487, II, CPC. No núcleo do mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos autorais para revisar o contrato de cartão de crédito consignado estabelecido entre Autor e o Requerido, mediante conversão do negócio jurídico em contrato de empréstimo pessoal consignado, com taxa de juros de 2,08% ao mês e 72 prestações”.
“Declaro quitado o referido contrato desde o pagamento do valor total de R$17.604,00, razão pela qual determino que o Requerido se abstenha de promover descontos nos vencimentos do Autor, nada mais podendo exigir do Requerente a esse título e ratifico a decisão liminar de evento 24.1”.
“Condeno o Requerido a restituir de forma simples ao Requerente o valor de R$11.387,29 (onze mil, trezentos e oitenta e sete reais e vinte e nove centavos) a ser corrigido monetariamente a partir do ajuizamento da ação e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação e a indenizar o Autor pelos danos morais causados no valor de R$4.000,00 (quatro mil reais), a ser corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir desta data”.
A sentença é do dia 5 de outubro de 2020. Ainda cabe recurso por parte do BMG.