A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo negou o efeito suspensivo pretendido pelo deputado estadual Lucínio Castelo de Assumção, o Capitão Assumção, num Agravo de Instrumento julgado na segunda-feira (31/08) em sessão virtual. Assumção queria que os desembargadores do Colegiado cassassem a liminar, obtida pelo governador Renato Casagrande (PSB), dentro de uma Ação Indenizatória que tramita na 3ª Vara Cível de Vitória.
A liminar foi concedida porque o deputado Capitão Assumção xingou o governador em postagens produzidas por seu gabinete e inseridas nas redes sociais do parlamentar. Capitão Assumção alegou no Agravo que, ao xingar e atacar a honra de Renato Casagrande, estaria cumprindo seu papel de fiscalizador e que, por ser deputado, goza de impunidade parlamentar.
Este, entretanto, não foi o entendimento do relator do Agravo de Instrumento número 5001516-73.2020.8.08.0000, desembargador Walace Pandolpho Kiffer:
“In casu, entendo que as publicações mencionadas na ação originária, de autoria do agravante (Capitão Assumção), e contidas em suas redes sociais, não denotam ou não denotaram o espírito de controle ou fiscalização de outro Poder, mas se projetam ou se projetaram de forma veemente para tão somente atingir a imagem do Governador do Estado, inclusive imputando-lhe o cometimento de crime e atos de improbidade sem que sequer tenham sido empregados os mecanismos de investigação adequados para tanto, e o direito fundamental da parte contrária não pode valer tão pouco”, pontuou o desembargador em seu voto.
A defesa do deputado, que estava ausente da sessão virtual que julgou o Agravo de Instrumento, aduziu, em síntese, que no exercício das atribuições inerentes a mandato parlamentar, Assumção tem o dever de fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, conforme os ditames contidos no art. 56 da Constituição Estadual, e fora com base neste dever obrigatório que norteou suas publicações, ainda que de forma desfavorável ao agravado (Casagrande). Já a advogada do governador Renato Casagrande, Mariane Porto do Sacramento, acompanhou a sessão virtual.
Ressalta, ainda a defesa, que as manifestações do deputado são invioláveis, tratando-se de imunidade prevista por simetria na Constituição Estadual (art. 51), de maneira que almeja a imediata suspensão da decisão impugnada.
Para o desembargador Walace Kiffe, a imunidade parlamentar possui amparo Constitucional, advém do Estatuto dos Congressistas, e tem mesmo como principal objetivo garantir o livre exercício da função pública do respectivo agente, para que não sejam cerceados atos e pensamentos do parlamentar detentor do mandato.
Ocorre que a referida imunidade, ensina o magistrado, “não é invariável e irrestrita, muito pelo contrário, encontra limites na própria ordem Constitucional, de maneira que as manifestações sem correlação efetiva com o verdadeiro múnus público não são abarcadas pela inviolabilidade, e me parece ser este o caso dos autos”.
Walace Kiffe cita julgado do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF):
“A liberdade de opinião e manifestação do parlamentar, ratione muneris, impõe contornos à imunidade material, nos limites estritamente necessários à defesa do mandato contra o arbítrio, à luz do princípio republicano que norteia a CF. A imunidade parlamentar material, estabelecida para fins de proteção republicana ao livre exercício do mandato, não confere aos parlamentares o direito de empregar expediente fraudulento, artificioso ou ardiloso, voltado a alterar a verdade da informação, com o fim de desqualificar ou imputar fato desonroso à reputação de terceiros. Consectariamente, cuidando-se de manifestação veiculada por meio de ampla divulgação (rede social), destituída, ao menos numa análise prelibatória, de relação intrínseca com o livre exercício da função parlamentar, deve ser afastada a incidência da imunidade prevista no art. 53 da CF”.
[Pet 5.705].
O desembargador cita ainda outro julgado, na mesma Corte. Desta feita, pelo ministro Marco Aurélio, para quem “o Parlamento é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação. [PET 7.174, rel. p/ o ac. min. Marco Aurélio, j. 10-3-2020].”
Tribunal de Justiça não tolera ataques infundados aos cidadãos
A decisão da 4ª Câmara Cível é um sinal claro de que o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo não comunga com ataques infundados e xingamentos proferidos pelo Capitão Assumção, sob o mantra da imunidade parlamentar. No dia 23 de abril de 2010, em decisão monocrática, o desembargador Robson Albanez determinou o deputado a retirar também de suas redes sociais acusações “infundadas” contra o governador Casagrande.
O magistrado reverteu decisão de primeiro grau e concedeu liminar favorável a Casagrande. A defesa de Renato Casagrande recorreu por meio de um agravo junto ao Tribunal de Justiça. E coube ao desembargador Robson Albanez reformar a decisão de primeiro grau, com a seguinte argumentação:
“O que se vê (nas postagens de Assumção) são afirmações que parecem não se restringir à pretensa função fiscalizadora, esta inerente às atribuições parlamentares, mas que deságuam em acusações acerca de prática de crimes por parte do agravante (Renato Casagrande), tais como corrupção e até homicídio, aparentemente desprovidas de mínimo silogismo ou sequer de parcos indícios que corroboram com as graves imputações”.