Em sua edição do dia 3 de dezembro de 2017, A Gazeta publicou reportagem informando que “inquérito da 26ª Promotoria Cível de Vitória encontrou documentos que indicam atuação de associações da PM para dar início à greve de fevereiro” dos policiais militares do Espírito Santo. Com o título “Investigação revela que associações da PM tramaram greve no ES”, o jornal se baseia em um único dos fatos ainda sob investigação para informar que todas as entidades de classe da PM e do Corpo de Bombeiros teriam patrocinado o aquartelamento.
A reportagem de A Gazeta mistura uma série de fatos, inclusive resultados de Inquéritos Policiais Militares (IPMs) e Processos Administrativos Disciplinares (PADs) para tentar justificar o mote. Um dos IPMs teve como alvo o presidente da Assomes/Clube dos Oficiais, tenente-coronel Rogério Fernandes Lima, que foi indiciado pelo comandante-geral da PM, coronel Nylton Rodrigues Ribeiro Filho, não pela acusação de “incitar o aquartelamento”, mas por dar opiniões à imprensa sobre diversos temas. Ou seja, o tenente-coronel Rogério foi indiciado pelo “crime de liberdade de expressão”.
Em reportagens de três páginas, A Gazeta não conseguiu sustentar o mote (título de primeira página), pois deu, como exemplo, o fato de o diretor Social e de Relações Públicas da Associação de Cabos e Soldados (ACS/ES), cabo Thiago Bicalho, ter solicitado a uma empresa “o empréstimo de algumas tendas, que seriam utilizadas no 7º Batalhão da PM, localizado em Cariacica, durante o final de semana, em um evento”.
O Inquérito Civil nº 21/2017, que A Gazeta informa ter tido acesso com exclusividade, na verdade é muito mais amplo do que informa a reportagem. Ele foi instaurado pela 26ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória, com o intuito de “investigar o movimento deflagrado pelas mulheres, parentes e amigos dos policiais militares do Estado do Espírito Santo, que bloqueou as entradas dos Batalhões da PMES no período compreendido entre 4 de fevereiro de 2017 e 25 de fevereiro de 2017”.
O inquérito foi instaurado em 7 de março deste ano e, desde então, o Ministério Público tem realizado diversas diligências no sentido de buscar informações (provas técnicas e testemunhais) para concluir o procedimento e decidir se oferece ou não denúncia em desfavor de quem, de fato, contribuiu para o aquartelamento – no caso, familiares, parentes e amigos dos policiais, que impediram a saída de viaturas de dentro das unidades militares. Várias pessoas, principalmente familiares dos PMs, já prestaram depoimento à 26ª Promotoria Cível da Capital.
No decorrer das investigações, a 26ª Promotoria Cível de Vitória pesquisou e identificou pelo menos 14 empresas que trabalham com tendas e toldos na Grande Vitória e enviou ofício a todas elas, solicitando Notas Fiscais em nome de Pessoas Jurídicas das seguintes entidades, relativas ao aluguel e ou compra de tendas no mês de fevereiro de 2017: Associação de Cabos e Soldados da PM e do Corpo de Bombeiros (ACS/ES), Associação dos Subtenentes e Sargentos (Asses), Associação dos Bombeiros Militares (ABMES), Associação dos Oficiais Militares Estaduais (Assomes) e Associação dos Militares da Reserva, Reformados, da Ativa da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar e Pensionistas de Militares do Estado do Espírito Santo (Aspomires).
No Inquérito consta a resposta negativa de pelo menos três empresas – as outras, se responderam, não tiveram documentação juntada ao Inquérito Civil.
Já a empresa Tendas Costa e Sol respondeu que, no dia 3 de fevereiro de 2017 – na sexta-feira, quando um grupo de familiares de PMs bloqueou a entrada da Companhia da PM de Feu Rosa, na Serra –, o cabo Thiago Bicalho do Amaral, diretor Social e Relações Públicas da ACS/ES, telefonou para um dos donos da empresa solicitando tendas “para um evento no 7º Batalhão”, em Tucum, Cariacica.
De acordo com ofício da Tendas Costa e Sol enviada à 26ª Promotoria Cível de Vitória, cabo Bicalho solicitou as tendas em seu nome pessoal, afirmando que o material seria devolvido na segunda-feira, dia 5 de fevereiro. No entanto, a crise se alongou e as tendas somente foram devolvidas no dia 22 de fevereiro.
“Na segunda-feira, dia 6, fomos ao 7º Batalhão buscar as tendas, mas fomos recebidos de forma hostil por integrantes do movimento (familiares). Telefonamos para o cabo Bicalho, que ficou de resolver a situação”, descreve no ofício uma das donas da empresa de tendas.
Depois do recebimento do ofício da empresa Tendas Costa e Sol, a 26ª Promotoria de Justiça Cível intimou e ouviu o depoimento do cabo Bicalho. A oitiva com o militar aconteceu no dia 16 de novembro, ocasião em que ele confirmou ter solicitado ao dono da empresa o empréstimo das tendas.
“Recebi um telefonema, quando estava na sede da ACS, para que a entidade ajudasse com alimentação, água e tendas. Eu respondi que a Associação não poderia ajudar, mas que eu, em meu nome pessoal, iria solicitar tendas a um amigo. Telefonei para esse amigo e, em meu nome pessoal, fiz o pedido das tendas. O pedido não foi em nome da ACS; foi em meu nome pessoal”, afirmou cabo Bicalho.
Ele disse ainda que desde fevereiro encontra-se afastado da diretoria da ACS, pois, logo após o movimento de aquartelamento, o Comando Geral da PM cassou a disponibilidade dos dirigentes das entidades de classe. Posteriormente, o governo do Estado aprovou uma lei concedendo novamente a disponibilidade aos dirigentes, mas ele (Bicalho) preferiu ficar de fora da ACS e retornar ao policiamento normal.
O Inquérito Civil nº 21/2017 ainda está longe de ser concluída, dado ao grande número de pessoas envolvidas e sendo investigadas. A grande questão é que a investigação ainda está sendo feita e a notícia divulgada “com exclusividade” por A Gazeta, na edição do dia 3 de dezembro de 2017, passa a ideia de que o Ministério Público Estadual já chegou a conclusão de que “as associações tramaram a greve” dos militares capixabas.
Pelo que se observa da farta documentação relativa ao Inquérito Civil 21/2017 – que o Blog do Elimar Côrtes possui –, A Gazeta teve acesso somente à parte do ofício em que uma das donas da empresa Tendas Costa e Sol relata que, no dia 3 de fevereiro, “o diretor Social e Relações Públicas da Associação de Cabos e Soldados (ACS), cabo Thiago Bicalho, solicitou à empresa o empréstimo de algumas tendas”.
Este, de fato, é o único trecho da reportagem que consta no Inquérito Civil 21/2017. Muito pouco para concluir que “Investigação revela que associações da PM tramaram greve no ES”. Até porque, as investigações estão longe de ser concluídas.
Para se ter ideia de quanto é complexo esse tipo de investigação, somente em janeiro de 2018 é que o dono da empresa que emprestou as tendas ao cabo Bicalho vai prestar depoimento à 26ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória.
Em tempo: O Blog do Elimar Côrtes teve acesso à integra do Inquérito Civil 21/2017 por meio do Departamento Jurídico da ACS/ES.