Nos últimos oito anos, o Brasil sediou quatro importantes eventos esportivos que atraíram a presença de milhares de atletas e turistas estrangeiros ao nosso País: os Jogos Pan Americanos de 2007, no Rio; os Jogos Mundiais Militares, em 2011; a Copa das Confederações, em 2013; e o Mundial da Fifa, no ano passado. Todos realizados com sucesso, sem problemas para o sistema de segurança pública. E vêm aí ainda os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.
O ápice dos trabalhos das forças policiais e demais organismos de segurança pública foi o Mundial de Fifa, quando o Ministério da Defesa instalou o Núcleo de Defesa cibernético do Exército. Paralelamente, houve ações conjuntas da Polícia Federal com as polícias estaduais, que adotaram um trabalho preventivo na intenção de evitar qualquer tipo de ameaças externas em nossas fronteiras.
No ano passado, o Espírito Santo foi sede para treinamento das seleções da Austrália e Camarões, que disputaram a Copa do Mundo. A Operação Copa em nosso Estado contou com forças do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícias Federal, Civil e Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Rodoviária Federal, Guardas Municipais, Infraero, servidores do Ministério das relações Exteriores e o serviço de atendimento do Samu, da Secretaria de Estado da Saúde. Em solo capixaba, a Operação Copa foi coordenada dentro da sede da Secretaria de Estado e Defesa Social (Sesp).
O trabalho das forças de segurança no Brasil foi feito, portanto, com planejamento e competência. Entretanto, as cenas de selvageria vistas na noite de sexta-feira 13 (novembro) em Paris ligam novamente o sinal de alerta em nosso País. Oito ataques terroristas simultâneos na capital francesa, mataram 129 pessoas e feriram outras 352. Os atos terroristas foram creditados ao Estado Islâmico.
O Brasil nunca foi, efetivamente, alvo de ataques terroristas – embora nosso vizinho Argentina já contabiliza inúmeros ataques promovidos pelo terror. O que se tem aqui é a declarada guerra do tráfico em todas as regiões do País. Uma guerra que dura décadas e que já foi perdida pelo Estado brasileiro.
Os órgãos de segurança pública não têm interesse em acabar com a guerra entre traficantes. É como se os estados brasileiros entendessem que, enquanto morrem bandidos, está tudo bem. Há reações, porém, por parte da sociedade e do próprio Estado quando na guerra morrem inocentes – geralmente, vítimas de bala perdida. Nesse caso, moradores realizam manifestações um dia; no outro já esqueceram o assunto. A polícia reage e prende um ou dois autores do tiroteio, mas raramente chega aos verdadeiros “generais” da guerra.
Diante do que se viu na sexta-feira 13 em Paris, ficam questionamentos: o Brasil está preparado para identificar e reprimir terroristas em nosso País? O Estado brasileiro está preparado para, em caso de ataques terroristas, punir com rigor esses criminosos?
“Não. Nosso País está despreparado para enfrentar o assunto terrorismo”, diz, indignado, o presidente do Sindicato dos Delegados do Estado do Espírito Santo (Sindepes) e da Associação dos Delegados de Polícia do Estado (Adepol), Rodolfo Queiroz Laterza.
Ele, como dirigente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia (Fendepol) e da Associação Nacional dos Delegados (Adepol/Brasil), vem acompanhando, em Brasília, a discussão de diversos projetos de lei que versam sobre segurança pública e, em especial, o que tipifica o crime de terrorismo.
Rodolfo Laterza atesta mais: “As discussões sobre o assunto terrorismo no Brasil são feitas de maneira muito amadora. As agências policiais não conhecem adequadamente ainda a natureza destes fenômenos e não estudam doutrinas de trabalho preparadas para diagnosticar, identificar e enfrentar tais cenários de risco. Estas modalidades de conflitos são muito específicas de uma era de pós-modernidade, moldada pela globalização, idolatria ao consumismo, fragmentariedade de interesses geoeconômicos e pulverização das ideologias após o fim da União Soviética.”
Para Rodolfo Laterza, “não há no escopo da segurança pública ainda em nosso País uma doutrina de ação frente ao extremismo político, ao terrorismo e até mesmo às organizações criminosas de maior vulto. Falar disso inclusive é tabu no Brasil, de modo que quando somos surpreendidos por ações extremistas, como no caso das táticas de subversão empregadas por grupos genericamente rotulados como ‘Black blocs’, sequer há um preciso diagnóstico do fenômeno, havendo ações improvisadas e meramente reativas.”
Segundo o delegado, esse desprepara não é culpa das polícias, “ao contrário do que apregoam muitas vozes na opinião pública, pois decorre de todo uma ausência de política estrutural do Estado brasileiro na defesa do regime democrático. Inclusive, quem discute a necessidade de implementação de medidas legais e sociais de defesa da ordem democrática na neutralização do extremismo de todos os matizes no Brasil sofre tamanho patrulhamento ideológico que acaba por se autocensurar, pois teme ser rotulado como autoritário ou reacionário.”
Realista, Rodolfo Laterza fica ainda mais pessimista ao analisar o Projeto de Lei Complementar 101/2015 (Tipifica o crime de terrorismo), de iniciativa da Câmara dos Deputados. O PLC foi aprovado em plenário e remetido ao Senado Federal, sendo apresentados quatro relatórios substitutivos ao original pelo relator do projeto, senador Aloysio Nunes Ferreira. O projeto é tão absurdo que prevê como atos terroristas manifestações populares pelo País afora:
“Infelizmente, na sua aprovação no plenário do Senado, no dia 28 de outubro deste ano, foram apresentadas 25 emendas para aperfeiçoar a redação do projeto, que apresenta graves problemas técnicos e de aplicabilidade, tanto que está sendo severamente criticado por diversas entidades da sociedade civil e é omisso quanto à atribuição das polícias estaduais no trabalho integrado à prevenção e repressão aos crimes de terrorismo, além de prever a formatação de tipos penais excessivamente abertos e elásticos, que permitem em tese o enquadramento de protestos e ações movidas por ideologia em tipos penais, o que pode gerar instabilidade social e política inimaginável.”
Laterza ainda alerta: O projeto retornará à Câmara dos Deputados e precisaremos de muito trabalho para apresentar um substitutivo ao que foi aprovado no Senado Federal, pois da forma como está causará não só problemas de aplicabilidade, mas até constrangimento internacional.”
Mais grave: o texto aprovado no Senado não versa sobre a constituição de um sistema de controle integrado de operações de prevenção e repressão entre as diversas instituições de segurança pública em suas atribuições, contrariando a doutrina mundial mais avançada de enfrentamento a este método de combate cada vez mais alastrado e gravoso à ordem mundial, já que afeta a própria existência dos Estados Nacionais.
Se na Copa do Mundo de Futebol, ano passado, foram cerca de mil atletas de 32 países, nas Olimpíadas vão ser 15 mil atletas, de 205 países. No Mundial da Fifa, o Brasil atraiu os olhares de 3,5 bilhões de pessoas que viram os jogos pela televisão; nos Jogos Olímpicos, esse número será de quase 5 bilhões de telespectadores.
Só nos resta, portanto, rezar e apostar na crença de que Deus é brasileiro. Ora, Deus também é francês, árabe, israelense, norte-americano, argentino, inglês, queniano, iraquiano, sírio, russo…E, mesmo assim, essas nações são alvo constantes de ataques terroristas, embora estejam melhor preparadas para reprimir e punir os agressores do que o Brasil.