A Justiça Federal acolheu denúncia contra quatro diretores de um dos braços do Sistema de Cooperativa de Crédito do Brasil (Sicoob) no Espírito Santo. Denunciados pelo Ministério Público Federal, Ilson Xavier Bozi, Pedro Morais Bourdon, Carlos Fornazier e Ary Celio de Oliveira passaram a responder pela acusação de infringir o parágrafo único do artigo 4.º da Lei n° 7.492/86 c/c art. 29 do Código Penal. Segundo a denúncia, eles teriam praticado operações financeiras temerárias em favor de 24 empresas cooperadas. A pena prevista para o artigo 4.º da Lei n° 7.492/86 é de reclusão de dois a oito anos de reclusão em caso de condenação.
O processo de número 0012216-47.2011.4.02.5001 contra os quatro tramita na 1ª Vara Federal Criminal de Vitória. A ação é presidida pelo juiz Marcus Vinicius Figueiredo de Oliveira Costa, que designou para o dia 10 de junho deste ano, às 14 horas, a Audiência de Instrução e Julgamento, na forma do artigo 399 do Código de Processo Penal, “ficando todos cientes da grande probabilidade de apresentação de alegações finais e prolação da sentença na própria audiência.”
O Sicoob é o maior sistema financeiro cooperativo do Brasil e conta com mais de 2,9 milhões de associados, 2.200 pontos de atendimento, distribuídos em 25 estados e no Distrito Federal. É composto por cooperativas financeiras e empresas de apoio, que em conjunto oferecem aos associados serviços de conta corrente, crédito, investimento, cartões, previdência, consórcio, seguros, cobrança bancária, adquirência de meios eletrônicos de pagamento, dentre outros. Ou seja, tem todos os produtos e serviços bancários, mas não é banco.
Mesmo não sendo banco, o Sicoob é regido pelas leis brasileiras e pelas normas estabelecidas pelo Banco Central do Brasil. E uma dessas normas teria sido desrespeitada pelos quatro diretores, segundo denúncia da Procuradoria Regional da República no Estado. Por isso, acabam de virar réus em processo judicial.
Segundo o Ministério Público Federal, Ilson Xavier Bozi, Pedro Morais Bourdon, Carlos Fornazier e Ary Celio de Oliveira, na qualidade de gestores e administradores da Cooperativa de Crédito dos Empresários da Grande Vitória (Sicoob Metropolitano), entre os meses de julho de 2007 a outubro de 2009, “praticaram uma série de operações de crédito que evidenciam em gestão temerária.” De acordo com a denúncia, eles “não observaram as regulamentações do Banco Central do Brasil e o Manual de Operações de Crédito do SICOOB.”
A acusação foi subsidiada por investigação administrativa do Banco Central, dentro de um apenso com 16 volumes, e pelo Inquérito Policial n.° 378/2001. No entender do Ministério Público Federal, os fatos praticados configuram gestão temerária, pois, em conjunto, os quatro réus “ofenderam princípios basilares da gestão financeiro-bancária, tais como seletividade, a garantia, a liquidez e a diversificação de riscos.”
Segundo os autos, a acusação se baseou na análise das operações de crédito em favor de 24 empresas capixabas. A denúncia relata que as operações de crédito concedidas a 24 empresas cooperadas teriam se caracterizados por diversas irregularidades, como:
1) Liberação de recursos com deficiências de formalização contratual e garantias (inexistência de aval, ausência de assinatura de avalistas, admissão de avalista com renda inexistente ou desatualizada, etc);
2) Inadequado preenchimento das Propostas de Crédito, sem informações econômico-financeiras, cadastrais e de cumprimento de limites;
3) Não preenchimento de questionário de avaliação de risco (obrigatório para concessão de crédito superior a R$ 50 mil, de acordo com normas internas do Sicoob/ES);
4) Documentação cadastral deficiente, não havendo a adequada atualização das informações do devedor ( algumas fichas cadastrais possuíam data muito posterior às das concessões de crédito ao associado;
5) Consultas às restrições cadastrais externas incompletas ou intempestivas);
6) Inobservância das alçadas competentes nas aprovações de créditos (na sua quase totalidade aprovados exclusivamente pelo Diretor Presidente da Cooperativa);
7) Extrapolação do limite regulamentar externo de exposição de risco por cliente (15% do PR – Patrimônio de Referência da Cooperativa);
8) E extrapolação dos limites regulamentares internos de exposição de risco por cliente.
Ainda de acordo com os autos, a investigação se iniciou a partir de fatos apurados em auditoria do Banco Central, que tomou por base as operações realizadas entre os meses de julho de 2007 a outubro de 2009, sendo selecionados os cooperados com saldo devedores significativos de crédito com elevado nível de provisionamento em 30 de setembro de 2009 e as operações que extrapolavam o limite regulamentador de exposição de risco por cliente em 30 de novembro de 2008.
“Assim, concluiu-se que os denunciados concediam empréstimos a diversas pessoas sem análise de seus dados cadastrais, sem verificação de que elas possuíam condições financeiras para quitar seus débitos, sem relação de bens penhoráveis, bem como em valores acima da capacidade de pagamento dos devedores”, descreve o juiz federal Marcus Vinicius Figueiredo de Oliveira Costa.
Acusados pediram absolvição sumária, mas juiz negou
A denúncia foi recebida em 13 de novembro de 2014. Depois de citados e intimados, os acusados se manifestaram em Juízo. Em resposta, Pedro Morais Bourdon suscitou a inconstitucionalidade do delito de gestão temerária, por inobservância do Princípio da Legalidade Estrita; a inépcia da denúncia, acoimada de genérica, na medida em que não individualizou a conduta do acusado e não demonstrou sua ligação com os crimes que lhe imputa; alegou ainda que, na qualidade de gerente, não era administrador e não tinha poder de gestão na instituição financeira, razão pela qual não pode ser sujeito ativo do crime de gestão temerária.
Pedro Bourdon sustenta, por fim, que como o bem jurídico tutelado é a credibilidade da instituição financeira, se os fatos narrados na denúncia realmente configurassem gestão temerária, a cooperativa não teria prosperado com a crescente adesão de novos associados. Por isso, pleiteou a absolvição sumária.
Já os diretores Ilson Bozi, Carlos Fornazier e Ary Célio, apresentaram resposta, com testemunhas arroladas, “limitando-se a repudiar genericamente as imputações contra eles aduzidas.”
Antes de decidir pelo indeferimento da absolvição sumária, o juiz federal Marcus Vinicius Figueiredo de Oliveira Costa analisou as matérias argüidas pelas defesas. Logo de início, ele afirma inexistir a “alegada inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 4.º da Lei 7.492/86, uma vez que referido dispositivo descreve perfeitamente a conduta incriminada se valendo de elemento normativo traduzido no adjetivo temerária. Sequer se cuida de tipo penal aberto, que remeta ao órgão julgador a tarefa de integrar a norma jurídica incriminada, uma vez que o dito elemento normativo se integra pela multiplicidade de normas deônticas que separam a atividade normal das instituições financeiras, cercada de cautelas tendentes a não gerar risco sistêmico, da atividade anormalmente arriscada.”
Portanto, o magistrado rejeitou a alegação de inépcia da denúncia, pois a inicial acusatória descreveu suficientemente as condutas, tendo feito referências diretas, inclusive com citação das folhas, às peças de investigação que lhe deram suporte, quais sejam, o relatório do Banco Central e o Inquérito Policial 0378/2011. “Portanto, a denúncia está em conformidade com o art. 41 do CPP, tendo apontado de forma clara a conduta imputada aos réus, permitindo o exercício de defesa por parte dos acusados”, afirma Marcus Vinicius Figueiredo de Oliveira Costa na decisão.
Pedro Bourdon alegou ainda na defesa que, por ser gerente de agência e não exercer poder de administração da instituição financeira, não poderia ser enquadrado como sujeito ativo do crime de gestão temerária.
“Trata-se de alegação atinente ao mérito e que depende de dilação probatória para sua comprovação. Contudo, em análise superficial das peças de informação colhidas em sede fase investigação, verifico que os depoimentos e documentos dão indícios de que o denunciado geria de fato a cooperativa. Por fim, tratando-se o delito de gestão temerária de tipo penal que se caracteriza por ser formal, ou seja, o ato temerário não precisa, necessariamente, gerar resultado naturalístico, como, por exemplo, a inviabilização e a dissolução do ente do Sistema Financeiro Nacional”, diz o juiz federal no despacho.
“Portanto, ao analisar as defesas prévias apresentadas, não vislumbrei a existência manifesta de nenhuma das situações previstas no artigo 397 do Código de Processo Penal, razão por que não se admite neste caso o julgamento antecipado da lide (absolvição sumária) em relação a nenhum dos réus, devendo prosseguir a ação penal”, completou o juiz federal Marcus Vinicius Figueiredo de Oliveira Costa.
O que diz a lei
Parágrafo único do artigo 4.º da Lei n° 7.492/86
Parágrafo único. Se a gestão é temerária:
Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
Fonte: Lei no 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências.
Sicoob diz que ‘os conselheiros estão indignados com a acusação indevida’ e garante que operações não causaram risco aos sócios do sistema
Procurada pelo Blog do Elimar Côrtes, a direção do Sicoob no Espírito Santo se manifestou, por meio de sua Assessoria de Comunicação, a respeito da ação penal aberta contra quatro de seus membros pela acusação de praticar operações temerárias em favor de 24 empresas cooperadas. Os dirigentes denunciados pelo Ministério PúblicoFederal são Ilson Xavier Bozi, Pedro Morais Bourdon, Carlos Fornazier e Ary Celio de Oliveira.
– Blog do Elimar Côrtes – As pessoas denunciadas ainda são dirigentes do Sicoob?
Sicoob – Dois ex-dirigentes (na resposta, a direção do Sicoob não cita quais) são conselheiros do Sicoob Sul Serrano. Eles foram eleitos e tiveram os nomes homologados pelo Banco Central.
– Qual a posição do Sicoob em relação à denúncia do Ministério Público Federal?
– A cooperativa estava em início de atividades (entre 2007 e 2009 quando aconteceram as supostas irregularidades apontadas pelo Ministério Público Federal). Foram adotadas todas as providências. Concluiu-se que a melhor opção seria incorporá-la ao Sicoob Sul Serrano, processo natural nas corporações, medida efetivada e muito bem sucedida.
– As operações irregulares, segundo o MPF causaram prejuízo à Cooperativa? Se causaram, qual foi o prejuízo?
– Os associados ao Sicoob no Espírito Santo sempre compartilharam resultados positivos, ao longo dos 26 anos de funcionamento da instituição financeira cooperativa. Depois da incorporação, o Sicoob Sul Serrano inaugurou mais quatro agências em Vitória e promoveu significativas melhorias naquela onde funcionava o antigo Sicoob Metropolitano, na Enseada do Suá.
Além da ampliação, houve aumento do limite operacional, da capacidade de atendimento e a profissionalização da gestão. Hoje, as agências da Capital estão localizadas também na Avenida Nossa Senhora da Penha, em Jardim Camburi, em Jardim da Penha e no Centro de Vitória.
– Essas pessoas responderam algum procedimento interno? Se responderam, qual foi o resultado?
– Foi constatado que não havia risco aos sócios do sistema.
– Gostaria de saber também, caso essas quatro pessoas ainda estejam trabalhando no Sicoob, qual a posição delas em relação à denúncia.
– Os conselheiros estão indignados com a acusação indevida, respondendo nas esferas competentes e tranquilos quanto ao desfecho do processo, pois com a incorporação da cooperativa, a Região Metropolitana está obtendo excelente desempenho, e os cooperados compartilham de resultados positivos.
Sobre o Sicoob
O Sicoob é a maior instituição financeira cooperativa do país, com mais de 3 milhões de associados. Aberta a empresas e a pessoas físicas, trabalha com os mesmos produtos e serviços que os bancos oferecem. Os associados são donos do negócio. Atua em 25 Estados e no Distrito Federal, com 2,2 mil pontos de atendimento. As cooperativas têm aproximadamente 800 correspondentes, além de canais eletrônicos como internet banking e atendimento via celular.
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