O escritor e coronel da reserva da Polícia Militar de Minas Gerais Klinger Sobreira de Almeida escreveu mais um artigo para o Blog do Elimar Côrtes sobre o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, divulgado no dia 20 deste mês. Desta vez, Klinger sai em defesa da memória do general Ernesto Geisel, que foi presidente do Brasil, e cita fatos ignorados pelos integrantes da Comissão de Verdade e por grande parte da imprensa.
Abaixo, a íntegra do artigo do coronel-escritor Klinger Sobreira.
Pela memória do general Ernesto Geisel (Klinger Sobreira de Almeida*)
“Na verdade, a clã dos insensatos, acolhida pelos ingênuos ou de má-fé, nos ofereceu um apoteótico espetáculo de cinismo, que a história guardará no baú dos dejetos.”
No dia seguinte, à divulgação do relatório da chamada Comissão Nacional da Verdade (comissão do engodo), estarrecido com o rol de falsidades e a abordagem de fantasias tolas, atendi a um pedido do jornalista Elimar Côrtes, e fiz, para seu conceituado blog, um artigo sobre o tema – APOTEOSE DA RAZÃO CÍNICA. Encerrei-o com a assertiva acima, prevendo que o fim do relatório será a guarda no baú de dejetos da história. Recebi inúmeras manifestações positivas sobre meu posicionamento em defesa da verdade histórica. Pretendia, a partir daí, não mais abordar o malsinado tema, mesmo porque, após a tentativa de se dar repercussão ao relatório, este, por suas próprias impropriedades e inferências baseadas em premissas inconsistentes, já vai caindo no vazio.
Acontece, no entanto, que alguns desdobramentos vão acontecendo e nos avivam a vontade de solidarizar com a memória de pessoas de bem, que conhecemos, e foram vilipendiadas pelos redatores da comissão. Vejam o artigo publicado em O Globo de 20 do corrente (20/12). Uma filha indignada defende a memória do pai, General Silva Campos, simplesmente alinhavado no rol dos “ torturadores”, porque chefiara o CIE/EB, por ordem de Geisel, para fazer cessar os desvios contra a integridade e dignidade humana que ocorriam em alguns DOI/CODI. O oficial, humano e firme, cumpriu sua missão. Agora, já transportado à pátria espiritual, os familiares são surpreendidos com a tentativa de enxovalhamento de sua memória. A filha vem em defesa de quem não pode se defender.
O fato nos despertou também, mesmo sem tribuna, para uma defesa. O General Ernesto Geisel foi um padrão moral do Exército e da nação. Já tenente, em 1930, foi designado Secretário da Fazenda, na Paraíba, para por em ordem os descalabros. Sua vida profissional foi forrada por uma probidade incontrastável. Nos primórdios de 1970, presidiu a Petrobras, sendo um timoneiro do desenvolvimento energético durante a crise do petróleo.
Alçado à Presidência da República enfrentou com coragem incomum os excessos cometidos pela “linha dura” que queria a perpetuidade do regime militar. Com inaudita coragem, lastreada em sua força moral, destituiu o General Ednardo Ávila Melo do comando do II Exército-SP, após os lamentáveis episódios Wladimir Herzog e Manoel Filho e, como vimos, substituiu chefias lenientes com a violência. Mas não ficou só nisso. Quando viu que seu programa de “distensão lenta e gradual” seria resistido pelos oficiais linha-dura, não teve dúvidas, destituiu do Ministério do Exército o líder dos que queriam a continuidade do regime com seu AI-5 – o General Silvio Frota. Foi uma atitude de coragem e destemor de quem se comprometera com o retorno de todas as liberdades.
Dentro dessa linha, Geisel, em 1979, passou o governo ao seu sucessor, extinguindo o AI-5 que permitiu o retorno de todos os exilados e a anistia que eles pleiteavam, e as liberdades sindicais que se seguiram, bem como eleições livres que ensejaram eleição de governadores antes exilados como Leonel Brizola e Miguel Arraes e de ases da resistência/esquerda: Franco Montoro, Tancredo Neves etc.. , bem como de dezenas de exilados para cargos legislativos.
Em verdade, se não fora a energia e destemor de Ernesto Geisel, a poderosa linha-dura das FFAA, capitaneadas pelo General Sílvio Frota, teria empolgado o poder, e o AI-5 permaneceria impoluto e firme por muitos anos (não sabemos quantos anos! Pois ditaduras, quando subjugam totalmente, se eternizam no poder: vide Cuba, Coreia do Norte e alguns países africanos), os exilados não retornariam e arrocho continuaria até?!…
Certamente, esses que hoje se lambuzam em mentiras e no lodo da corrupção, e aproveitam da liberdade para denegrir memórias e forjar uma história fantasiosa, talvez não estivessem aqui, ou estariam silenciados.
Levanto minha voz – limitada e humilde – em prol da memória de Ernesto Geisel, como o fez Cláudia Maria em favor do genitor.
(O autor, Klinger Sobreira de Almeida, é militar estadual da reserva, escritor, membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa/PMMG)
Pela memória de meu pai
De O Globo
(Por Claudia Maria Madureira de Pinho)
Papai não cometeu crimes contra a humanidade. Tentou evitá-los. Foi escolhido para o cargo para isso. Por seu perfil. Era a missão. Acreditava na instituição do Exército
Pouco após o assassinato de Vladimir Herzog dentro de sua cela no DOI-Codi, em São Paulo, o presidente Ernesto Geisel e o ministro do Exército, Sílvio Frota, convocaram meu pai ao Planalto. Desejavam que assumisse o comando do Centro de Informações do Exército, o Ciex. Precisavam de alguém que acabasse com o horror dos porões. Papai, o general Antonio da Silva Campos, não queria o cargo. Em família o pressionamos para que passasse à reserva. Era uma ordem, ele a acatou. (Mantinha o pedido de saída para a reserva pronto na gaveta.) Por conta desta passagem de pouco mais de um ano pelo comando do Ciex, seu nome foi listado entre os 377 responsáveis por crimes contra a humanidade da Comissão da Verdade.
O que leva um nome a ser colocado como responsável por crimes contra a humanidade em um relatório oficial? Ele é citado três vezes no documento, todas de forma vaga. Mas está na lista. Os membros da comissão sequer descobriram o ano em que nasceu ou aquele em que morreu. Puseram seu nome entre os responsáveis pelo pior de todos os crimes que um ser humano pode cometer sem, ao menos, ter o respeito, a decência, de buscar saber de quem se tratava.
A Geisel e Frota, naquele dia, papai argumentou que não tinha o perfil. Que sua vida no Exército havia sido toda baseada no respeito à Convenção de Genebra. “Quem aceita tocar num fio de cabelo de um preso”, lhes disse, “ainda mais torturar, é um ser doente.” Não eram militares de fato. Eram pessoas “a quem nenhuma ordem é capaz de conter”. Como de fato nenhuma ordem conteve. Durante aquele ano do Ciex, que passou viajando de quartel em quartel tentando impedir a barbárie, perdeu dez quilos.
Papai nasceu em família pobre. Sua mãe, imigrante portuguesa, foi uma empregada doméstica que jamais aprendeu a ler. Entrou nas Forças Armadas porque ali poderia estudar, encontrar futuro. Se fez voluntário para combater o fascismo durante a Segunda Guerra. Foi preso e arriscou corte marcial porque se recusava a separar soldados brancos de negros em seu pelotão durante paradas. Contava a história do único homem que soube ter matado, um soldado alemão, na Batalha de Montese. Lance de sorte: sacou mais rápido, disparou. Seguindo as regras, retirou do corpo o cordão de identificação que seria enviado para as forças inimigas e manuseou sua carteira. Lá, encontrou a foto de uma mulher e de um bebê. No meio de um tiroteio, nunca se sabe se uma bala feriu ou matou. Mas, naquele momento, ele soube. Os pesadelos com aquela imagem o perseguiriam pelo resto da vida.
Entre seus melhores amigos estavam vários militares cassados pela ditadura. Dentre eles, o brigadeiro Rui Moreira Lima. Estão, como papai, mortos. Não podem vir à frente e depor em seu nome, contar quem foi Antonio da Silva Campos. Mas eu, sua filha, posso.
O período da ditadura foi difícil para nós. Eu ia às passeatas pedir a volta da democracia, ele implorava que ficasse em casa. Tinha medo de que, se desaparecesse, não conseguiria me localizar. Ainda tenente-coronel, no fim dos anos 1960, foi responsável direto por um preso político, na Vila Militar. Almoçava com ele. Talvez ainda esteja vivo. Foi libertado e retornou para visitar meu pai.
Papai não cometeu crimes contra a humanidade. Tentou evitá-los. Foi escolhido para o cargo para isso. Por seu perfil. Era a missão. Acreditava na instituição do Exército. Talvez não devesse. De fato comandou o Ciex em 1976 e 1977. Mas, por honestidade, por integridade, no mínimo por uma questão de decência, antes de listar seu nome entre alguns dos homens mais abjetos que passaram pelas forças militares brasileiras, deviam se informar sobre quem foi.
Mas não fizeram, sequer, uma busca no Google.
(Claudia Maria Madureira de Pinho é filha do general Antonio da Silva Campos, citado pela Comissão da Verdade como responsável por crimes contra a Humanidade)