A Vara da Auditoria da Justiça Militar do Estado do Espírito Santo julgou, no dia 31 de outubro deste ano, um caso ocorrido em 2011 e que provocou uma certa polêmica no meio jurídico. Um coronel da PM, que também é pastor da Assembleia de Deus, foi denunciado pelo Ministério Público Militar pela prática de prevaricação. Ao coronel Rubens Ricardo Maciel Barcellos foi imputada acusação de converter em culto religioso as multas consideradas leves de trânsito registradas em sua região de atuação. O Conselho de Justiça Militar absolveu o oficial por 4 votos a um. No entanto, o Ministério Público já recorreu da decisão.
O coronel Ricardo era comandante do 5º Batalhão da PM (Aracruz) à época dos fatos. De acordo com os autos do processo número 00146483120118080024, ao coronel Rubens Ricardo “foi imputada prática do delito de Prevaricação em razão de ter, no Comando do 5º BPM (quando ainda era tenente-coronel), determinado a substituição de aplicação de autuação de infração de trânsito por assistência a palestras e cultos evangélicos.”
No julgamento, ocorrido no dia 31 de outubro, o juiz-auditor da Vara da Justiça Militar, Roberto Luiz Ferreira Santos, fez a leitura da denúncia e concedeu a palavra ao representante do Ministério Público Militar para sustentação oral, tendo este se pronunciado:
“A Promotora que subscreveu a denúncia colocou que aliado ao fato da tipificação da denúncia foi interesse do acusado de evangelizar. A opção dada aos infratores foi substituída a legislação pela vontade própria do acusado”, descreveu o promotor de Justiça Militar Sandro Rezende Lessa.
Ele leu depoimentos das testemunhas arroladas pelo MPM, que foram ouvidas por Carta Precatória em Aracruz. E prosseguiu: “Não fosse só a palestra, o acusado, além de agir em descompasso com a lei, opção essa não facultada pelo legislador, os infratores teriam que assistir a um culto religioso, pois o acusado disse que a prioridade dele era de evangelizar. O legislador quis substituir a multa e o fez expressamente, o acusado criou uma via não prevista em lei para encerrar sob alegação de ser educativa. Assim, o acusado deveria agir como um agente público e não com interesse pessoal. O acusado não nega o fato, o que viola o art. 267 do CTB, agindo em desconformidade com a lei, tenta prevalecer a sua convicção religiosa. O MPM reprova a conduta e, como forma de evitar que outros o façam nos mesmos moldes no futuro, requer a condenação na forma formulada na exordial.”
Em seguida, manifestou-se a defesa do coronel Ricardo, o advogado Júlio César Nunes Siqueira. A defesa alegou que, “como o sistema (de Justiça) está sobrecarregado com tantos problemas e irregularidades no trânsito, o acusado optou por educar”. Alega que a falta de um dos elementos do típico, não há crime e assim é atípico. Tem que ter um dolo específico.
O advogado leu uma jurisprudência da Ação Penal nº 447 em que um prefeito deu ordem aos agentes da prefeitura que não multassem VTR da prefeitura e por isso foi denunciado pelo Ministério Público por ter havido interesse ou sentimento pessoal do prefeito para encobrir as infrações em seu governo. Ao final, o prefeito e uma funcionária foram absolvidos. Alegou o poder discricionário do acusado em substituir as infrações por educação.
“Qual proveito (ou vantagem) pessoal que teve o réu com esta evangelização?”, indagou o advogado Júlio César Siqueira na hora do julgamento: “Não está expressa. Não resta provada que a conduta do réu o trouxe proveito em momento algum. Evangelizar, todos os fazem, exige a satisfação pessoal e interesse do réu é com a sociedade. A conduta dele foi atípica e por isso não cometeu crime”, respondeu o defensor. Por isso, o advogado solicitou que “se faça a justiça e absolvam o réu com fulcro no artigo 439, alínea b do CPPM.”
O promotor de Justiça Sandro Lessa foi à réplica, para sustentação oral. Ele fez uma descrição sobre “Interesse pessoal e Sentimento pessoal”. E concluiu: “O Ministério Público Militar entende que, ao cancelar um auto de infração por entender que a educação é a melhor opção, o réu impôs sentimento por convicção pessoal religiosa, obrigando aos infratores a assistir a um culto, sendo que vivemos em um Estado laico. Insiste na condenação do acusado conforme tipificação da denúncia.”
A defesa foi à tréplica: “A defesa insiste que não houve dolo específico, por ser um fato atípico, faltou o elemento do tipo. Solicita a absolvição conforme formulado acima.”
Encerrados os debates orais, o Conselho Especial de Justiça se reuniu, passando em seguida à votação. Pela ordem proferiu o voto o Juiz Auditor no sentido de condenar o acusado Rubens Ricardo Barcellos nas iras do artigo 319 do CPM.
O 4º Juiz Militar, Isson Feu Pereira Pinto Filho, votou pela absolvição conforme a solicitação da defesa. Os demais Juízes Militares, os coronéis Leonardo Marchezi dos Reis (3º Juiz), Antônio Augusto da Silva (2º Juiz) e Edmilson dos Santos (1º Juiz), acompanharam o voto do colega Isson. Ao final, o Conselho Especial de Justiça, por maioria de votos (4 x 1), absolveu o acusado.
Na sentença, os Juízes Militares explanaram sobre seu voto. O 3º Juiz Militar, coronel Leonardo Marchezi, narrou durante a sua fundamentação de seu voto “que todos coronéis aqui presentes, inclusive o réu, são da mesma turma de oficiais e por isso conhecemos muito bem o acusado por termos convivência há mais de 28 anos de PMES e sabemos muito sobre o interesse ou sentimento pessoal do acusado.”
Alegou o oficial que não fica “adstrito às provas testemunhais, pois são frágeis e se ouvidos novamente poderão mudar seus depoimentos” e com a perícia feita o juiz não ficará adstrito a essa prova material. Citou que o agente atuador pode fazer a transformação para a pena alternativa com a importância de educar para trânsito. O coronel Marchezi exaltou que o acusado não agiu com qualquer interesse pessoal, mas sim no interesse público e dentro do limite da discricionariedade própria do administrador, recordando que as características de cada comandante e de cada batalhão onde exerce seu comando, determinam a forma como são deliberadas as ações:
“Neste sentido, não é possível se estabelecer que tenha o mesmo procedimento o militar que exerce seu comando em uma pequena cidade do Espírito Santo e um outro que atua na capital de São Paulo ou Rio de Janeiro”.
Já o 2º Juiz Militar, coronel Antônio Augusto, alegou em seu voto, segundo a sentença, que a intenção do réu não era arregimentar fiéis para a sua religião, e por não restar claro que não houve sentimento ou interesse pessoal, votou pela absolvição conforme formulado pela defesa.
O 1º Juiz Militar, coronel Edmilson dos Santos, citou o que acontecia logo quando entrou na PM sobre o policial atender tanto a trânsito e as demais ocorrências do dia a dia de serviço. Lembrou ainda fatos que ocorriam muito no interior do Estado sobre atuação em trânsito que chegavam até ao governador do Estado. Disse não vislumbrar interesse, nem muito menos o sentimento pessoal. Votando pela absolvição conforme pedido pela defesa.
“Por estes fundamentos decidiu o Colendo Conselho Especial de Justiça, por maioria de votos (4 x 1), pela absolvição do acusado por não constituir o fato infração penal”, encerrou o juiz Roberto Luiz Ferreira Santos.
Ao final do julgamento, o promotor de Justiça Militar Sandro Lessa recorreu da decisão da absolvição. O caso será analisado e, posteriormente, encaminhado ao Tribunal de Justiça, que fará o julgamento do Recurso de Apelação.
Hoje, o coronel Rubens Ricardo é o chefe do Comando de Polícia Ostensiva do Norte, tendo as seguintes áreas de circunscrição: 2º Batalhão da Polícia Militar (Nova Venécia); 5º BPM (Aracruz); 8º BPM (Colatina); 11º BPM (Barra de São Francisco); 12º BPM (Linhares); 13º BPM (São Mateus); e 8ª Companhia Independente (Santa Teresa).