Responsável por comandar 14 mil policiais, o diretor geral da Polícia Federal, delegado federal Leandro Daiello, conta, em entrevista a O TEMPO (jornal de Minas Gerais), que dos 146 mil inquéritos em andamento, pelo menos 200 são “investigações especiais”. Desses, os crimes de sonegação fiscal e de lavagem de dinheiro são maioria.
O amplo gabinete na cobertura do Máscara Negra – apelido da sede da Polícia Federal em Brasília – dá uma vista vazada para o Lago Sul, no horizonte, e o agitado setor de autarquias Sul. Condecorações entregues à instituição espalham-se por móveis estrategicamente distanciados para o fluxo da equipe, e o jovem ocupante do gabinete não dispensa os trejeitos gaúchos: saúda o visitante com um “tchê” e oferece chimarrão.
Engana-se quem considera o ambiente silencioso uma isolada ilha no coração de Brasília. Assim que acessa o prédio, qualquer visitante é monitorado por câmeras desde o térreo até a antessala. É um “bunker” onde o diretor geral da Polícia Federal, delegado Leandro Daiello, comanda uma corporação com 14 mil policiais e mais de 2.000 delegados.
Atualmente, há 146.035 investigações em andamento na PF, número exato passado pelo próprio Daiello. Avesso a entrevistas – “não existe mais o papel de xerife”, diz –, o diretor abriu exceção e falou à reportagem de O TEMPO. Entre os diversos assuntos, a interface com o FBI – agência federal de investigação dos Estados Unidos – no combate a crimes cibernéticos e financeiros foi um deles. Só neste ano, agentes brasileiros capturaram 43 foragidos internacionais. Daiello também falou sobre o plano de realizar concursos anuais para as carreiras e sobre a implantação do inquérito eletrônico numa interface de poderes a partir de 2015.
Sobre a investigação de crimes de corrupção, o diretor da PF revela que entre as “200 investigações especiais em andamento”, grande parte está relacionada aos crimes de colarinho branco. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
O Tempo – Há notícias de que a PF atualmente comanda cerca de 100 mil inquéritos no País. Há pessoal suficiente para tanto?
Leandro Daiello – Existem hoje em andamento no território nacional 146.035 investigações para um efetivo de mais de 14 mil policiais e administrativos. A constante abertura de concursos públicos nos últimos anos que será ampliada em razão da obtenção, pela Polícia Federal, da autonomia na abertura de novos certames, deverá tornar ainda mais eficiente a condução das investigações criminais pelas autoridades policiais a partir do aumento do efetivo.
Quantas são as investigações em andamento de combate à corrupção?
Temos aproximadamente 200 investigações especiais em andamento, grande parte delas no combate à corrupção. A corrupção é mais que desvio de verbas públicas. Nessas investigações somam-se as referentes a sonegação fiscal, crimes previdenciários, financeiros e de lavagem de ativos.
O que pode adiantar sobre o desenvolvimento do software E-Pol para a implementação do inquérito eletrônico, em elaboração com a Universidade Federal de Campina Grande (PB)?
O projeto E-Pol encontra-se na fase de implantação da versão Alpha do sistema, ou seja, a versão inicial com todas as funcionalidades necessárias à realização das investigações da Polícia Federal já está sendo testada pela Polícia Federal de Campina Grande. A previsão inicial para a implementação nacional é no decorrer de 2015, finalizando o treinamento e ajustes até o final deste ano. O sistema será capaz de pesquisar e verificar no momento de inserção de dados se existem informações preexistentes de investigações já em curso no território nacional que envolvam os mesmos autores e o modus operandi das quadrilhas, informação compartimentada e restrita aos policiais que participam dessas investigações, resguardado o sigilo dos demais dados.
A PF tem conseguido suprir investigações com pessoal e equipamentos no combate a crimes financeiros?
Sim, temos conseguido suprir essa demanda. Inclusive, recentemente foi criada uma operação permanente, com mobilização de policiais das unidades regionais, com vistas a suprir justamente as necessidades de pessoal especializado nas investigações de crimes financeiros e desvio de recursos públicos.
Como é a atuação na fronteira hoje? Há alguma região prioritária?
Atualmente as turmas formadas na Academia Nacional de Polícia têm como destino inicial as unidades de fronteira, principalmente Calha Norte e, com o recente Decreto Presidencial que criou o mecanismo de abertura de concurso sempre que houver 5% de cargos vagos a lotação de servidores nas fronteiras, poderá ser constantemente mantida e incrementada.
Em que âmbitos se dão hoje as interfaces da PF com o FBI e a Interpol?
Com o FBI, seguramente nas áreas de crimes cibernéticos, terrorismo e crimes financeiros, além de constantes intercâmbios no que se refere a treinamento e capacitação. Em relação à Interpol, a PF é a representante brasileira nessa relevante instituição, estrategicamente importante no combate à criminalidade transnacional pela capacidade de troca rápida de informações entre os países-membro.
Como e em que áreas a PF mais tem contribuído com outros países em investigações?
A Polícia Federal tem contribuído com a captura de foragidos internacionais (só neste ano foram 43), levantamento de dados para instrução de investigações, tais como patrimônio, antecedentes criminais e, principalmente, como o nosso expressivo número de prisões e apreensões de drogas. Vale também destacar os nossos esforços no combate ao tráfico de pessoas, corrupção, pornografia infantil e crimes ambientais.
A Polícia Federal acaba de conquistar um certificado internacional de qualidade pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC). Como isso pode facilitar o trabalho da PF?
Essa acreditação faz com que os resultados dos exames obtidos pelos nossos laboratórios sejam reconhecidos internacionalmente, adequando-se à tendência mundial de certificação de laboratórios forenses. Um exemplo prático é o compartilhamento internacional de perfis genéticos gerados pelo laboratório de DNA em casos específicos, que poderão ser confrontados com bancos de DNA de outros países via Interpol, expandindo a capacidade de investigação da PF. Significa que o Sistema de Gestão da Qualidade implementado pelos laboratórios do INC foi avaliado por uma instituição externa, isenta e independente. Também reforça a posição de vanguarda da Polícia Federal em políticas de segurança pública no Brasil.
Como o senhor lida com as questões internas das carreiras, principalmente de agentes e delegados?
Recentemente, apoiamos e trabalhamos para a edição da MP que garantiu aos agentes, escrivães e papiloscopistas a recomposição salarial e o reconhecimento do nível superior de suas atividades. Ao mesmo tempo, concentramos esforços para a edição da MP que dá mais autonomia à PF, ao reconhecer a ocupação da direção geral por um delegado federal posicionado na classe especial e também ao prever a participação da OAB no concurso para delegado de Polícia Federal. Essas medidas legislativas fortalecem ainda mais a instituição que desponta como uma das mais bem avaliadas pela sociedade.
O que se pode esperar para concursos na corporação?
A publicação do Decreto 8.326/2014 pela Presidência da República, que permitiu ao diretor geral a realização de concurso sempre que houver 5% de cargos vagos, implicará na possibilidade de planejamento do ingresso de novos servidores na Polícia Federal. O objetivo do órgão é preencher esses cargos no menor tempo possível, porém, sem perder a excelência na formação dos novos profissionais.