O Ministério Público Federal (MPF) denunciou à Justiça Federal em Itaituba, no Pará, o delegado da Polícia Federal Antônio Carlos Moriel Sanches pelo crime de homicídio qualificado contra Adenilson Kirixi Munduruku, morto durante a Operação Eldorado, no dia 7 de novembro de 2012, na aldeia Teles Pires, na divisa com o Mato Grosso. Em nota divulgada em seu site, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) nega que Antônio Carlos Moriel Sanches tenha matado o indígena e que deu tiros para o alto para se defender de ataques.
A exumação do corpo do indígena, segundo a Procuradoria da República no Pará, teria comprovado os depoimentos das testemunhas e demonstrado que o indígena teria sido “executado com um tiro na nuca, depois de ter sido derrubado por três tiros nas pernas.” Na nota, a ADPF questiona a denúncia da Procuradoria da República no Pará. A Operação Eldorado deveria destruir balsas de garimpo que atuavam ilegalmente nas Terras Indígenas Munduruku e Kayabi. O coordenador da operação era o delegado Moriel Sanches.
“Ao perceberem que a Operação Eldorado iria ocorrer na Aldeia Teles Pires, alguns índios tentaram retirar os bens que achavam necessário para suas subsistências, sendo que um dos caciques chegou perto do delegado tentando conversar com este para que não desse continuidade na destruição da balsa. O denunciado afirmou que a operação teria que ser realizada, e ainda empurrou a referida liderança indígena. Em reação, um dos indígenas que estava no local empurrou o braço do delegado Moriel, e como estavam próximos ao rio, em uma área de declive o denunciado veio a cair na água. Após tal situação, policiais federais passaram a atirar contra os indígenas e em direção ao rio. Atrás do cacique Camaleão estava um outro indígena, a vítima Adenilson Kirixi Munduruku”, narra a denúncia do Ministério Público Federal.
Um dos indígenas relatou os fatos que se seguiram, em depoimento ao MPF: “Depois que o delegado empurrou essa liderança na qual ele iria atirar, o segurança do cacique empurrou o braço do delegado e ele escorregou e caiu na água, pois a área tem declive e o chão é liso, de barro. Foi a partir daí que começou o tiroteio. Nenhum indígena estava com arma de fogo. Os dois primeiros tiros contra a vítima foram dados pelo delegado, que ainda estava dentro da água, que estava pela cintura. Vários policiais começaram a atirar contra os indígenas que estavam no local. Três tiros acertaram as pernas da vítima Adenilson Kirixi, que perdeu o equilíbrio, caindo na água. Nesse momento o delegado, que ainda estava dentro da água, deu um tiro na cabeça da vítima, que já caiu morta e afundou no rio”.
Nota de Desagravo em que a ADPF lamenta a forma como vem sendo tratado o incidente ocorrido com o delegado federal Antônio Carlos Moriel Sanchez
“Os Delegados de Polícia Federal, por meio da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, lamentam profundamente a forma temerária como vem sendo conduzido o processo que tem por objeto apurar o incidente ocorrido com o Delegado ANTONIO CARLOS MORIEL SANCHEZ.
MORIEL, Delegado reconhecido pela sua expertise nas ações de defesa a comunidades indígenas e pela sua dedicação à causa dos índios, foi Chefe do Serviço de Repressão aos Crimes Contra as Comunidades Indígenas, e, em razão da sua notória habilidade e experiência em tratar dessas questões, foi designado para comandar a Operação Policial Eldorado, que visava combater a extração clandestina de ouro no Rio Teles Pires, atividade que tem consequências gravíssimas para o meio ambiente, inclusive a danosa contaminação de cidades ribeirinhas por mercúrio. Tendo sido mapeada a ocorrência de crime de extração ilegal de minério, e considerando a necessidade de coibir a atuação de um grupo econômico ligado a esta nefasta atividade na região, foi exarada decisão no bojo do Processo nº 1243-58.2012.4.01.3600 (IPL 0006/2012- SR/DPF/MT), visando cumprimento de 26 mandados de prisão temporária, 08 mandados de condução coercitiva e 64 mandados de busca e apreensão.
Para executar a ordem judicial, os policiais da PF e da Força Nacional, bem como servidores do IBAMA e FUNAI, instalaram-se em Base Operacional montada próxima ao Rio Telles Pires, e já no início das atividades reuniram-se com as lideranças indígenas locais, tendo sido devidamente acordado que a Operação seria realizada sem interferência dos índios e que as barcas de extração de ouro seriam inutilizadas. A reunião foi testemunhada, frise-se, por servidores da FUNAI e contou com a presença, dentre outros, do Cacique da Aldeia Papagaio e de 04 representantes da Aldeia Teles Pires.
Ocorre que, mesmo após ter sido firmado o compromisso, na citada reunião, de que os policiais iriam cumprir a determinação judicial e os índios não iriam obstar a ação policial, por orientação do Cacique da Aldeia Papagaio, uma balsa foi rebocada para a margem do Rio, junto à Aldeia Teles Pires, a fim de, conforme veio a se saber posteriormente, ser protegida pelos índios, evitando assim, a sua inutilização pelos policiais. Cabe esclarecer que os equipamentos pertenciam a garimpeiros da região, os quais, conforme apurado, remuneravam os índios com ouro, a fim de que esses guardassem seus petrechos para mineração.
Assim foi que, segundo veio à tona posteriormente, o Cacique da Aldeia Papagaio, induzido pelos garimpeiros, que não queriam ver seu patrimônio destruído, arregimentou indígenas das Aldeias Papagaio, Bom Futuro, Mairowi e Teles Pires, para enfrentarem os policiais e impedir a inutilização das balsas. Porém, tendo certo que os índios iriam cumprir o acordo e não interferir na Operação, os policiais deram prosseguimento aos trabalhos no dia 07/11/2012, e se dirigiram à Aldeia Teles Pires, a fim de inutilizar a balsa que se localizava em frente à Aldeia.
Durante o deslocamento para o local em que a balsa estava atracada, a equipe passou por alguns índios, os quais, quando indagados, respondiam que estariam indo apenas retirar seus pertences da balsa. Entretanto, ao chegar à margem do rio, os policiais perceberam que havia aproximadamente 200 indígenas pintados, portando arco e flecha e borduna. Estes índios prepararam uma emboscada e investiram contra os policiais, disparando diversas flechas e encurralando-os, a partir do barranco, entre a balsa e o rio.
O Delegado MORIEL foi atacado no ombro com uma borduna pelo Cacique da Tribo Papagaio. Além disso, outro índio que acompanhava o Cacique atirou várias flechas contra o policial, tendo uma delas o atingido na perna. Por esta razão, e tendo em vista o teor dos diálogos mantidos entre o Cacique e o guerreiro – que levaram o delegado a perceber que o objetivo do ataque era fazê-lo refém ou matá-lo – o policial se viu obrigado a fazer disparos de advertência direcionados ao fundo do Rio.
Para o devido esclarecimento do incidente, foi imediatamente instaurado inquérito policial, mas infelizmente, o Ministério Público, valendo-se da suposta “dispensabilidade do inquérito policial”, e fundamentado unicamente em Procedimento de Investigação Criminal conduzido por aquele órgão, ofereceu denúncia ignorando o extenso conjunto probatório produzido em sede policial, imputando de forma temerária ao DPF MORIEL a prática de homicídio contra um índio, supostamente ferido durante o conflito.
De fato, o órgão ministerial recortou apenas as poucas evidências que interessavam para acusar o delegado, oferecendo denúncia fundamentada apenas no testemunho de 3 índios, diga-se de passagem, contraditórios em relação aos demais depoimentos prestados por índios e servidores públicos no inquérito policial.
A peça acusatória é eivada de inconsistências, a seguir exemplificadas:
• Não há provas de que o índio encontrado, muitos quilômetros distante do local do conflito, tenha sido alvejado no local dos fatos.
• Salvo o testemunho dos 3 índios, inexiste prova de que os projéteis que atingiram a vítima partiram da arma do DPF MORIEL. Os laudos periciais sequer concluíram que a arma utilizada era do mesmo tipo da que o Delegado portava.
• O Ministério Público coloca em dúvida a fé pública dos servidores da Polícia Federal, da Força Nacional, da FUNAI e do IBAMA, ao fazer ilações no sentido de que não há provas de que os índios fizeram um acordo anuindo com a realização da Operação. Porém, o inquérito possui depoimentos das lideranças indígenas confirmando a realização do acordo, o que demonstra que, ou o parquet não estudou as provas, ou deliberadamente omitiu essas circunstâncias na denúncia.
• Ao contrário do que narra a denúncia, os índios não foram obstados a retirar seus pertences da balsa, mesmo porque isso fazia parte do acordo. Ao contrário, eles foram arregimentados pelo cacique da Aldeia Papagaio, a fim de entrar em confronto com os policiais, e evitar a inutilização das balsas, influenciados pelos garimpeiros, os quais remuneravam o cacique, para que os índios guardassem os petrechos utilizados pelos garimpeiros para a extração de ouro.
• O cacique da Aldeia Papagaio não tentou conversar com o DPF MORIEL, como a peça acusatória faz crer. Ao contrário, encurralou o policial, conforme se verifica de diversos depoimentos dos presentes, índios e servidores públicos, os quais narram que o Cacique feriu o ombro do delegado com a borduna, e se fez acompanhar de um guerreiro que lançou diversas flechas contra ele com intenção de feri-lo de morte. Uma das flechas o atingiu na perna, conforme dados constantes do inquérito, totalmente ignorados pelo parquet.
• Foi a atitude do cacique em questão que obrigou o Delegado MORIEL a efetuar disparos de advertência, a fim de resguardar legitimamente a sua vida e dos servidores públicos que estavam legalmente atuando em nome do estado e foram injustamente atacados.
• Ao contrário do que consta na denúncia, a prova pericial não confirma os depoimentos das testemunhas, no sentido de que a vítima foi alvejada pelo Delegado Moriel.
• Ao contrário da afirmação de que os policiais não souberam relatar o que houve, há vários depoimentos de policiais e servidores públicos que estiveram envolvidos no incidente, em que os fatos são relatados sem contradição e com riqueza de detalhes.
• Em nenhum momento o MPF considerou o fato de que os índios estavam armados com flechas e bordunas e atacaram os policiais que tiveram que defender-se. Inclusive, o confronto resultou em vários índios e policiais feridos.
Assim, entendendo que é dever do Ministério Público atuar como o titular da ação penal e zelar pela correta produção da prova criminal, mas que também cabe ao parquet na sua atuação respeitar os direitos constitucionais dos cidadãos, especialmente o direito à presunção de inocência e o direito à imagem, é que a ADPF reputa ser a denúncia precipitada e inepta, vez que sequer aguardou-se a conclusão da investigação para ser oferecida.
Ademais, o tratamento dispensado ao policial federal é injusto, na medida em que o DPF tem participado de diversas operações de defesa às comunidades indígenas, pautando sua atuação no respeito a esses povos.
A divulgação do nome do investigado tem consequências gravíssimas que jamais poderão ser apagadas, de forma que a exposição do DPF MORIEL com base em frágeis e superficiais indícios de autoria não reflete a responsabilidade que a sociedade espera do Ministério Público.
Finalmente, vale ressaltar que é inverídica a informação veiculada na imprensa de que não foi instaurado inquérito policial para apuração dos fatos. De fato, as providências necessárias foram adotadas, tendo sido instaurado o IPL 310/2012-DPF/SIC/MT, que recebeu o nº de Processo 5213.57.2012.4.01.3603 na Seção Judiciária da Justiça Federal de Santarém/PA, em cujos autos foram feitas as oitivas de 17 indígenas.
A Polícia Federal é reconhecida como instituição que “corta na carne” e que tem uma corregedoria atuante que zela para manter a boa imagem da instituição e a confiança da sociedade, inclusive punindo seriamente os servidores envolvidos em fatos desabonadores, como é o caso daqueles que foram demitidos por envolvimento na Operação Monte Carlo, sendo certo que, por vezes, membros de outros órgãos não recebem o mesmo tratamento de suas instituições.”