A juíza Marianne Júdice de Mattos, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, concedeu medida liminar ao cabo da Polícia Militar Sandro Roberto Piovesan Mariani para se licenciar da corporação, sem vencimentos, a fim de realizar o Curso de Formação de Escrivães da Polícia Federal, em Brasília. O militar foi aprovado no concurso público para escrivão da PF e teve, recentemente, pedido de licenciamento negado pela Diretoria de Recursos Humanos da PMES. A decisão da magistrada foi tomada na terça-feira (28/01) passada. O curso começa nesta segunda-feiura (03/02).
Por meio da advogada Kely Cristina Quintão, da Quintão & Vieira Associados (um dos mais renomados escritórios de advocacia do Estado), o cabo Sandro Mariani ajuizou Ação Ordinária contra o Estado do Espírito Santo nos autos do processo número 0002459-16.2014.8.08.0024. Ele afirmou na ação ser cabo da ativa da PMES desde 8 de julho de 2004, contando com nove anos e seis meses de efetivos serviços prestados à corporação.
Buscando a ascensão profissional fora aprovado no último concurso da Polícia Federal para o cargo de escrivão, tendo sido aprovado em todas as etapas iniciais. Ao ser submetido à perícia médica, foi considerado inapto. No entanto, decisão liminar da 5ª Vara Federal Cível de Vitória garantiu ao militar o direito de prosseguir no certame e participar do curso de formação, que é realizado na Academia da Polícia Federal, em Brasília.
Diante da decisão liminar, o cabo Sandro Mariani fez um requerimento administrativo ao Diretor de Recursos Humanos da PM solicitando licença especial ou licença para tratar de interesse particular. Porém, o pedido foi indeferido, “sob o fundamento de que a luz da legislação da PMES não há possibilidade em tal situação”.
O militar procurou a Justiça, pleiteando liminarmente, em caráter de urgência, a ordem para que a PM conceda o afastamento temporário, a licença especial ou licença para tratar de interesse particular, a fim de possa realizar o Curso de Formação para Escrivão da Polícia Federal, previsto para começar nesta segunda-feira (/03/02), com os seus consequentes legais, até a decisão da causa. Se ele for aprovado no Curso de Formação, vai se desligar da Polícia Militar, sendo reformado. Se não conseguir a aprovação, volta à corporação.
“No caso em análise, vislumbro, prima facie (à primeira vista), a demonstração dos requisitos necessários à concessão da liminar requerida. Isto porque, em sede de cognição sumária da causa, tenho como relevantes os argumentos despendidos pelo Autor (policial), vislumbrando a existência dos suscitados elementos necessários à concessão da tutela antecipada”, inicia a juíza Marianne Júdice de Mattos a sua decisão.
Ao analisar o Estatuto da Polícia Militar, a magistrada observou que o documento “não contém norma específica que trate estritamente da hipótese de licença/afastamento para o caso vertente, ou seja, que possibilite o afastamento/ licença de servidor para participar de curso de formação profissional, mas tão somente “licença para tratar de assuntos particulares.”
A juíza disse mais: “Diante da referida omissão, verifico que também é omissa a Lei Complementar 46/1994. Desse modo, ante a ausência de uma norma especial, aplico por analogia (nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) a lei 8.112/90, a qual prevê a referida situação em seu artigo 20,§ 4º, vejamos:
Art.20.Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo, observados os seguinte fatores:
§4o Ao servidor em estágio probatório somente poderão ser concedidas as licenças e os afastamentos previstos nos arts. 81, incisos I a IV, 94, 95 e 96, bem assim afastamento para participar de curso de formação decorrente de aprovação em concurso para outro cargo na Administração Pública Federal.”
E Marianne Júdice de Mattos conclui: “Destarte, tal artigo permite ao servidor, mesmo em estágio probatório (o que não é o caso dos presentes autos), de se afastar para participar de curso de formação decorrente de aprovação em concurso público federal.”
Considerando, portanto, tratar-se de omissão do Estatuto dos Policiais Militares, que data de 1978 (antes do advento da Carta Cidadã de 1988), prossegue a magistrada, “entendo que deve ser autorizada a ausência do servidor pelos dias necessários a prestação do concurso público (ainda que durante toda a etapa do curso de formação) aplicando subsidiariamente, a Lei 8.112/90, sob pena de malferir o direito subjetivo da parte ao amplo acesso aos cargos públicos (art.37, I da CF/88), desde que sem remuneração.”
Marianne Júdice de Mattos finaliza: “Nesse ínterim, através da ponderação observo que não é razoável impedir que o autor, militar da ativa há mais de nove anos e meio, obtenha licença para participar do Curso de Formação na esfera federal por não ter completado dez anos de efetivo serviço, sobretudo por não se tratar de um interesse meramente particular, mas protegido pelo artigo 37, I da Constituição Federal e sem previsão no Estatuto dos Militares. Cumpre salientar que não haverá prejuízos ou danos ao réu (periculum in mora in versu) visto que o autor está requerendo um afastamento sem vencimentos. Outrossim, não obstante serem esferas distintas da Administração Pública, a concessão da licença ao autor não causará prejuízos ao Erário, visto que ele continuará no serviço público, ainda que seja o federal, servindo ao interesse público em geral”.
Portando, “por tais fundamentos, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA DETERMINAR QUE O REQUERIDO AUTORIZE O AFASTAMENTO DO AUTOR, SEM VENCIMENTOS, DURANTE O PERÍODO QUE FOR NECESSÁRIO À CONCLUSÃO DA ETAPA FINAL DO CERTAME PARA INGRESSO NO CARGO DA POLÍCIA FEDERAL (CURSO DE FORMAÇÃO).”