Cientista social, professor, pós doutorado em Antropologia pela Universidade de Buenos Aires – dentre outros títulos –, o coronel da reserva remunerada da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro Jorge Da Silva é um crítico ao atual modelo de segurança pública praticado no Brasil.
Ao abordar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51/2013, que institui a desmilitarização e unificação das policias estaduais, além da carreira única nas polícias, Jorge Da Silva observa que a Constituição Federal de 1988, cristalizou o modelo de duas polícias para todos os estados brasileiros, como se o Brasil fosse um imenso Estado unitário.
“A PEC em questão vai na mesma direção, desconsiderando o fato de que o Paraná é diferente do Pará, que é diferente do Piauí, que é diferente de São Paulo, que é diferente do Maranhão ou do Rio”, diz o coronel.
Jorge Da Silva afirma, nesta entrevista exclusiva ao Blog do Elimar Côrtes, que, assim como a sociedade, a polícia brasileira é racista e que os próprios policiais negros praticam racismo contra negros não-policiais:
“As manifestações de discriminação aparecem em todos os setores da sociedade. Logo, também na polícia, com a curiosa característica de ser praticada, inclusive, por policiais negros, o que só os psicólogos podem explicar”, afirma o antropólogo e cientista social Jorge Da Silva.
Ele também aponta contradições no discurso da sociedade, que vira e mexe pede a desmilitarização da polícia brasileira. “Ninguém questiona os ‘generais’ da segurança (governadores, secretários) quando estes verbalizam bravatas de cunho militarista, atiçando os policiais, militares e civis, a confrontos militarizados em áreas de comunidades”, cutuca Jorge Da Silva, que pondera: “Sou, sim, a favor da desmilitarização; da desmilitarização da sociedade brasileira.”
Blog do Elimar Côrtes – Há cerca de oito anos, o senhor me concedeu entrevista afirmando que a polícia brasileira era preconceituosa e racista. A situação mudou de lá para cá?
Jorge Da Silva – O que eu quis dizer na época é que o discurso da democracia racial é um mito. E que as manifestações de discriminação aparecem em todos os setores da sociedade. Logo, também na polícia, com a curiosa característica de ser praticada, inclusive, por policiais negros, o que só os psicólogos podem explicar.
– Como o senhor avalia movimentos de jovens negros de grandes centros, que passaram a frequentar, em grupos, os grandes shoppings? A imprensa denomina o movimento de “rolezinhos”. Aqui em Vitória tivemos recentemente uma correria – que causou pânico entre os “cidadãos comuns” –, provocada pelos jovens que tentavam fugir da Polícia Militar depois de brigarem num baile funk realizado do lado de fora do maior shopping center do Estado.
– Vejo isso como uma evidência de que não somos o que gostaríamos de ser. Temos no Brasil shoppings de primeiro mundo, luxuosos, com seguranças de terno e radinho na lapela monitorando os indesejáveis e suspeitos. E me pergunto: “quem são, no ‘olhômetro’, os indesejáveis e suspeitos?”
– Como se pratica o estudo da Criminologia hoje nas academias de Polícias Civil, Militar e Federal?
– O fato de essas teorias não serem ensinadas formalmente não significa que elas não estejam na cabeça de muitas pessoas, com aula ou sem aula, dentro ou fora da polícia.
– A gente observa que a luta de classes nas Polícias Militares continua entre praças e oficiais. Hoje, ela (luta) está mais clara pelas redes sociais. Por que isso acontece? Esta luta é antiga ou é fruto da Constituição de 88, que criou expectativas positivas na sociedade da qual os policiais militares fazem parte?
– Eu não chamaria isso de luta de classes, e sim de busca pelo reconhecimento de direitos assegurados a qualquer trabalhador, e negados aos policiais militares. Ora, não há no Brasil trabalhadores submetidos a tamanha carga horária e a tamanhos riscos, e portadores de tão escassos direitos.
O problema é que os PMs não costumam ser vistos como trabalhadores, e sim como um uniforme, sem rosto e sem humanidade. No caso das praças, principalmente, a condição de militares tem servido mais para impor deveres além da conta, sob o tacão dos regulamentos e códigos militares. O problema está aí.
– Como o senhor avalia a discussão acerca das polícias, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51/2013 que institui a desmilitarização e unificação das policias estaduais, além da carreira única nas polícias?
– A PEC repete propostas apresentadas durante os trabalhos da Constituinte. Antes do regime militar, os estados tinham bastante autonomia para organizar a sua polícia, pois esse assunto não era tema constitucional. Isso muda quando os militares (durante a ditadura) resolveram dar exclusividade do policiamento ostensivo às Polícias Militares.
Antes elas eram corporações aquarteladas. Apareciam na Constituição devido à sua condição de “força auxiliar e reserva do Exército”, para a “manutenção da ordem e segurança interna dos estados, territórios e do Distrito Federal”, ou seja, eram organizações estaduais com caráter de instituição nacional, aquarteladas em prontidão para a defesa da ordem e do território nacional.
Os Constituintes de 1988 cristalizaram o modelo de duas polícias para todos os estados, como se o Brasil fosse um imenso Estado unitário. A PEC em questão vai na mesma direção, desconsiderando o fato de que o Paraná é diferente do Pará, que é diferente do Piauí, que é diferente de São Paulo, que é diferente do Maranhão ou do Rio.
– Recentemente, em artigo, o senhor questionou para que fosse explicado o que é militarização? Afinal, qual o seu significado? Nossa sociedade conviveria bem sem a militarização da segurança pública?
– Boa pergunta. O problema é a militarização da segurança pública, como você coloca. Quando as pessoas falam em desmilitarização, eu pergunto: “O que isso significa? Seria mudar o nome da Polícia Militar? Seria dizer que a Polícia Civil atua com ethos não militarista, mesmo quando ela opera com helicópteros blindados, atirando de fuzil em áreas habitadas nos ‘inimigos”? Pelo menos no Rio de Janeiro, a distinção é tênue.
Mais: ninguém questiona os “generais” da segurança (governadores, secretários) quando estes verbalizam bravatas de cunho militarista, atiçando os policiais, militares e civis, a confrontos militarizados em áreas de “comunidades”. E é preciso não esquecer de que o tema da desmilitarização veio à tona durante as manifestações de junho do ano passado, quando a PM reprimiu de forma violenta as manifestações, com bombas de gás, de efeito moral e balas de borracha.
Me pergunto: “Por que não pediram desmilitarização antes, quando a mesma PM ocupa militarmente ‘comunidades’, trocando tiros de fuzil com traficantes, levando à morte policiais, traficantes, crianças, senhoras?” Pelo contrário, pedem até o Exército. Sou sim, a favor da desmilitarização; da desmilitarização da sociedade brasileira.
Quem é o doutor Jorge Da Silva
Pós-Doutorado na Universidade de Buenos Aires/Equipo de Antropologia da Faculdade de Filosofia e Letras (2006). Possui doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ / Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (2005); mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense/ Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (1998); mestrado em Letras pela Universidade Federal Fluminense / Instituto de Letras (1972); graduação em Direito e em Letras pela Universidade Federal Fluminense (1970 e 1972, respectivamente);
Todos os cursos regulares do oficialato da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, corporação em que chegou ao último posto, o de coronel, e em que ocupou altas funções.
Professor-adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro / UERJ, onde é coordenador-executivo da Coordenação Multidisciplinar de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública, Polícia e Direitos Humanos / Reitoria. Foi coordenador, no Núcleo Superior de Estudos Governamentais / NUSEG, do Curso de Segurança Pública: Teoria e Gestão, realizado em convênio com Governo do Estado (Instituto de Segurança Pública / ISP (1999-2007). Exercício na Faculdade de Formação de Professores da UERJ / Departamento de Letras (professor-adjunto) até junho de 2008.
É pesquisador-convidado do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (NUFEP) da Universidade Federal Fluminense, e professor do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública do referido Núcleo; coordenador do Curso de Especialização em Direito da Segurança Pública, da Faculdade de Tecnologia e Ciências Educação a Distância (FTC EAD).
Possui experiência nas áreas de Educação, de Formação Policial, e de planejamento estratégico no campo da Segurança, Justiça e Direitos Humanos. Seis livros publicados em torno de temas como segurança pública, violência urbana, racismo, criminologia, polícia, além de artigos em publicações nacionais e estrangeiras.
Possui também experiência no desenvolvimento de políticas públicas nessas áreas, em razão sobretudo de sua atuação como integrante da cúpula da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro até 1994 (subsecretário de Estado e chefe do Estado Maior Geral), e depois em cargos da alta administração do Estado, a saber: coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania (2000-2002), presidente do Instituto de Segurança Pública (2003), e secretário de Estado de Direitos Humanos (2003-2006).