O Tribunal de Justiça do Estado
do Espírito Santo tomou uma decisão que poderá abrir precedente para beneficiar
milhares de policiais e bombeiros militares capixabas. Ao julgar recurso de
Apelação Cível e uma Remessa Necessária, a 3ª Câmara Cível condenou a Caixa Beneficente
dos Militares Estaduais do Espírito Santo a romper vínculo jurídico com o
sargento da reserva da Polícia Militar José Silvério da Silva.
O desembargador substituto Lyrio Régis
de Souza Lyrio, relator da Apelação Cível número 0004039-37.2011.8.08.0008, fez
somente uma reparação na sentença favorável ao sargento José Silvério,
proferida pelo juiz Gustavo Henrique Procópio Silva, da 1ª Vara Cível de Barra
de São Francisco: em primeiro grau, a Justiça
condenou a Caixa Beneficente a
restituir valores recebidos do militar
durante o período em que ele permanecera
filiado à entidade. No entanto, a 3ª Câmara Cível, seguindo o voto do
desembargador-relator, decidiu que a Caixa Beneficente deve restituir ao militar as contribuições dele cobradas após
a citação judicial.
“Ao assim decidir, o juízo de origem
reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 1.º do Regulamento da Caixa
Beneficente, instituído pelo Decreto n.º 2.978/1968 do Estado do Espírito Santo”.,
ressalta o desembargador Lyrio Régis de Souza Lyrio no voto.
Ao entrar na Justiça em 13 de outubro de
2011, José Silvério fez as seguintes alegações: (1) ingressou
na Carreira Militar, sendo transferido para o quadro de Reserva Remunerada em
21/09/1999; (2) encontra-se filiado, até os dias atuais,
compulsoriamente aos quadros associativos da ré; (3) a título
de mensalidade destinada à requerida, durante todo o período de filiação,
sofreu descontos mensais à ordem de 4% de seus subsídios; (4)
a mantença da filiação associativa não gera benefício algum para o associado em
vida, mas somente após a morte deste é que seus dependentes, a título de
pecúlio, auferem específica renda; (5) por inúmeras vezes, ao
longo dos anos, os Militares tentaram se desvincular da referida Associação ré
via requerimento administrativos, mas tal intento sempre foi negado sob o
argumento de que a contribuição é de natureza obrigatória, encontrando respaldo
na Constituição de 1988.
Os advogados da Caixa Beneficente
dos Militares Estaduais do Espírito Santo estabeleceram 10 argumentos na
Apelação Cível:
(a) Haveria incompetência
absoluta ratione materiae (em razão da
matéria) do juízo de origem – Primeira Vara Cível de Barra de São Francisco –
para a causa, uma vez que, tratando-se a apelante de autarquia estadual, o
feito deveria ser processado e julgado por Vara da Fazenda Pública Estadual de
Vitória;
(b) Em que pese tenha o juízo a
quo afirmado que sua competência abrangeria a matéria de Fazenda Pública, o
apelado, ao propor a ação, não haveria mencionado essa circunstância, tendo, ao
revés, “querido” a tramitação do feito perante Vara Cível comum, situação essa
que teria acarretado julgamento extra petita;
(c) De qualquer modo, a inicial
seria inepta e haveria ocorrido julgamento extra petita, uma vez que o demandante
não formulado pedido de declaração de inconstitucionalidade ao propor a
ação;
(d) A sentença seria também ultra
petita, uma vez que o autor teria requerido, na inicial, apenas a restituição
dos valores pagos ao réu após a data estipulada para seu desligamento;
(e) A filiação do apelado à
instituição apelante teria ocorrido, automaticamente e ex vi legis, quando de
seu ingresso na Polícia Militar Estadual;
(f) E o recolhimento de
contribuição em favor desta última seria obrigatório, porque expressamente
previsto em lei;
(g) Nesse diapasão, o
entendimento plasmado no decisum importaria violação ao princípio
constitucional da legalidade (art. 37 da CF/88);
(h) A decisão objurgada
constituiria um precedente perigoso, que poderia abrir espaço à própria
“quebra” financeira da apelante, mantida unicamente pelas contribuições de seus
associados;
(i) Não haveria previsão legal
para a devolução dos valores pagos à apelante; e
(j) Caso mantido, ad
argumentandum, o desligamento do apelado do apelante, não seria cabível a
condenação desta última ao pagamento de de “pecúlio-resgate”.
O desembargador Lyrio Rpégius Lyrio refutou
de imediato a primeira contestação da Caixa Beneficente: “Não havendo vara
privativa (neste caso, da Fazenda Pública) na Comarca de origem, cabe às Varas
Cíveis comuns a competência para o processamento e julgamento de tais
feitos. E, ao contrário do que sugerem as razões recursais, não há
qualquer prerrogativa de foro que assegure à Caixa Beneficente o privilégio de ser
demandada exclusivamente na Comarca da Capital pelo simples fato de se tratar
de autarquia. Afinal, conforme já julgado por este Tribunal de Justiça, ‘as
autarquias estaduais não gozam de foro privilegiado especial”.
O magistrado prossegue: “À luz de todas
essas constatações, parece-me inequívoco que não há no feito qualquer nulidade
decorrente de incompetência material do juízo de origem, inépcia da inicial ou
julgamento extra ou ultra petita.”
Ao julgar o mérito, o desembargador
substituto Lyrio Régis Lyrio reconhece que a obrigatoriedade de contribuição
está prevista nos artigos 1.º e 33 do Regulamento da Caixa Beneficente:
Art. 1°. – A Caixa Beneficente dos Militares Estaduais
do Espírito Santo, criada pelo Art. 53 da Lei nº 1101, de 08 de janeiro de
1917, órgão independente e com autonomia administrativa, é mantida pelos
Oficiais e Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar, da ativa e da
inatividade remunerada, mediante contribuição obrigatória;
Art. 33 – São contribuintes obrigatórios da
CAIXA os militares da ativa e inatividade remunerada da Polícia Militar e do
Corpo de Bombeiros Militar.
“A tese da recorrente se torna problemática,
porém, quando se constata, primeiramente, que a apelante não é a autarquia
responsável pela administração do regime Previdenciário – este sim, de filiação
obrigatória – aplicável aos servidores estaduais. Muito diversamente, esse
papel é desempenhado pelo Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do
Espírito Santo (IPAJM)”, afirma o relator da Apelação Cível.
“Friso que o art. 40 da Constituição Federal
– aplicável aos militares estaduais por força do art. 42, § 1.º, também da
Constituição -, ao dispor sobre a Previdência dos servidores públicos não traz,
em momento algum, qualquer possibilidade de instituição de dois regimes
previdenciários cumulativos de cunho obrigatório”, completa o magistrado.
Por isso, prosseguiu o
desembargador, não sendo a Caixa Beneficente a entidade responsável pelo regime
de previdência dos servidores civis e militares estaduais, entendo estar ela
sujeita ao disposto no art. 5.º, XX, da Carta Magna, segundo o qual “ninguém
poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
“Dito de outro modo, a apelante é uma
autarquia que disponibiliza aos militares filiados a seu regime jurídico
algumas vantagens não previstas no regime previdenciário dos servidores. No
entanto, a filiação a tal regime não pode ser obrigatória, sendo incompatível
com a Constituição qualquer lei que assim disponha”, completou Lyrio Régis
Lyrio.
Sendo assim, entende o
desembargador, “quer-me parecer que as expressões ‘contribuição obrigatória’ e ‘contribuintes
obrigatórios’ constantes nos arts. 1.º e 33 do vetusto Regulamento da apelada
não foram recepcionadas pela vigente Constituição de 1988.”
Lyrio Régis Lyrio diz mais em seu
voto: “E afirmar que a obrigatoriedade da filiação e da contribuição não foram
recepcionadas pela vigente ordem constitucional equivale a afirmar que a
vinculação compulsória de quem quer que seja ao sistema da apelante
simplesmente se tornou ilegal – e não inconstitucional – a partir do momento em
que entrou em vigor a Constituição de 1988. Ilegal – friso -, porque as regras
instituidoras da obrigatoriedade simplesmente deixaram de existir, na medida em
que não ultrapassaram o “filtro” representado pela nova Carta Magna.”
Por fim, o magistrado ressalva: “A restituição
deve abarcar apenas as contribuições posteriores a tal pedido, uma vez que, a
partir dele, a manutenção do apelado como filiado é abusiva e ilegal. E,
quanto ao pecúlio-resgate, seu pagamento só será devido se, quando do pedido de
desfiliação, o contribuinte já houver preenchido os correspondentes requisitos
legais.”