A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) do Senado aprovou na quarta-feira (23/04) Projeto de Lei Complementar da Câmara dos Deputados que regulamenta as atribuições dos delegados nos inquéritos policiais (PLC 132/2012). O principal objetivo é garantir autonomia aos profissionais na apuração dos crimes. No entanto, o senador capixaba Ricardo Ferraço (PMDB) tentou impedir a votação do projeto, dando a entender ser contrário à autonomia que delegados de Polícia Federal e Civil precisam ter à frente de um Inquérito Policial.
Venceu, porém, o bom senso e, pelo texto, o delegado só poderá ser afastado da investigação se houver motivo de interesse público ou descumprimento de procedimentos previstos em regulamento da corporação que possam prejudicar a eficácia dos resultados investigativos. O ato com essa finalidade dependerá de despacho fundamentado por parte do superior hierárquico.
A exigência de ato fundamentado também é prevista para a eventual remoção, ou seja, a transferência do delegado para qualquer outro órgão diferente daquele em que se encontra lotado. O delegado deverá conduzir a investigação criminal levando em conta apenas “seu livre convencimento técnico jurídico”, atuando com “isenção e imparcialidade”, como explicita o texto.
O PLC, que foi apresentado na Câmara pelo deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), deixa ainda claro que o cargo de delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito. Além disso, estabelece que a categoria tem direito ao mesmo tratamento dado a magistrados, integrantes da Defensoria Pública e do Ministério Público, sendo tratado como “Sua Excelência” – isso é a parte menos importante do projeto.
Segundo a Agência Senado, o temor de que a proposição tiraria poderes do Ministério Público norteou as mais de três horas de debates até a aprovação do parecer do relator Humberto Costa (PT-PE). O senador Ricardo Ferraço, por exemplo, tentou sem sucesso adiar a votação, alegando a necessidade de realização de audiências públicas para discutir melhor o assunto. Ele apresentou um voto em separado, questionando a constitucionalidade e a conveniência da iniciativa.
“Trata-se de matéria bastante delicada e polêmica e não tivemos a oportunidade de instruir o debate por meio de audiências para ouvirmos as partes interessadas”, tentou argumentar o senador, de acordo com a Agência Senado.
Na opinião do parlamentar capixaba, o PLC 132 limita o controle externo da Polícia por parte do Ministério Público, tarefa prevista no artigo 129 da Constituição da República.
“O que pretende o Projeto de Lei Complementar é aumentar a autonomia da Polícia, o que não é compatível com a história de abusos que marca tal atividade no nosso País. Deveria ser o contrário, o controle externo deveria ser fortalecido para evitar abuso dos organismos policiais, que muitas vezes cometem crimes, ilegalidades, desmandos, abusos de poder e tortura. A realidade é que gabinetes dos promotores são procurados todos os dias por pessoas reclamando de atos ilícitos praticados pelas policias”, disse Ricardo Ferraço, que parece não conhecer direito a realidade da Polícia, justo ele que já foi vice-governador do Estado do Espírito Santo.
Segundo Ricardo Ferraço, “o projeto é um misto de regras processuais penais e de regime jurídico de servidores e padece de vício formal de iniciativa”. Em sua opinião, a proposta deveria partir do chefe do Executivo e não de um deputado.
O senador questionou ainda a isonomia entre delegados e juízes e promotores, o que no futuro poderia permitir adoção de mesmo padrão de subsídio para as categorias. A inamovibilidade aos profissionais da polícia também foi questionada pelo parlamentar.
Já o senador Humberto Costa (PT-PE), relator da matéria na CCJ, rebateu as críticas, afirmando a ampliação das garantias do delegado será benéfica não só à categoria profissional, mas à sociedade brasileira.
“O projeto trata exclusivamente de investigação policial. Tratamos das garantias e deveres do delegado dentro do inquérito. Em nenhum momento as atribuições do MP estão comprometidas pelo PLC 132. Tampouco haverá invasão da polícia nas atribuições do Ministério Público”, ressaltou, por diversas vezes, durante a reunião.
O parlamentar esclareceu que, quando o texto fala em isonomia com magistrados e promotores, não está se referindo à igualdade salarial, portanto não haverá impacto financeiro para os estados e para a União. Além disso, explicou ele, o projeto também não trata de inamovibilidade dos delegados, prerrogativa de juízes e promotores; apenas exige que uma eventual remoção seja feita de forma fundamentada.
Humberto Costa rejeitou emenda que deixava expressa a preservação das atribuições constitucionais do Ministério Público, sugerida pelo senador Alvaro Dias (PSDB-PR). Para ele, a emenda modificaria o texto, o que obrigaria o retorno do projeto à Câmara.
Alguns senadores chegaram a relacionar o PLC 132 à polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37/2011, em tramitação na Câmara dos Deputados, que retira poderes de investigação de promotores de Justiça e procuradores da República, o que levou o senador Pedro Simon (PMDB-RS) a criticar a pressa da CCJ em analisar o PLC.
“Até porque, se for aprovada a PEC 37, vamos ter que mudar essa lei. Delegados terão mais direitos e responsabilidades. Não vejo motivos para votar agora”, ponderou.
Além do próprio relator Humberto Costa, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) garantiu que o PLC 132 nada tem a ver com a PEC 37. “A PEC está na Câmara e pode nem chegar ao Senado, porque lá será derrotada”, afirmou Cássio.
O PLC 132 estava na pauta da CCJ em caráter terminativo e, por isso, poderia seguir diretamente à sanção presidencial. Os senadores insatisfeitos com o resultado da votação, entretanto, já afirmaram que entrarão com recurso previsto no regimento para que a proposição seja analisada pelo Plenário.