Nove anos depois do assassinato do advogado Joaquim Marcelo Denadai, finalmente a Justiça poderá julgar o homem acusado de ser o mandante do crime: o empresário e ex-policial militar Sebastião de Souza Pagotto. O julgamento será feito pelo Tribunal do Júri de Vila Velha.
Pagotto terá que enfrentar o júri popular porque a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus pedido por sua defesa e manteve a decisão da Justiça capixaba de mandar o réu ao Tribunal do Júri. O advogado de Pagotto é o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Homero Mafra.
O advogado Marcelo Denadai foi executado a tiros em 15 de abril de 2002 quando ia para casa, na Praia da Costa, voltando de uma caminhada. Ele era irmão do ex-vereador Antônio Denadai, que presidiu uma comissão de investigação da Câmara Municipal de Vitória criada com o objetivo de apurar supostas irregularidades em licitação para limpeza de galerias pluviais no município – a chamada CPI da Lama. A licitação havia sido ganha pela Hidrobrasil, de Sebastião Pagotto.
A CPI da Lama foi extinta por ordem do Tribunal de Justiça. Na época, o prefeito da capital era Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB). Uma das denúncias que chegaram ao Ministério Público indica que laranjas foram utilizados para que a Hidrobrasil ganhasse a concorrência de R$ 4,9 milhões da Prefeitura para limpeza de fossas e galerias.
A Polícia Federal concluiu que Marcelo Denadai foi assassinado a mando de Pagotto porque denunciava o suposto esquema de corrupção na Prefeitura.
O assassinato de Denadai aumentou a crise vivida pelo governo do Estado, que era governado naquele ano por José Ignácio Ferreira. Provocou pedido de intervenção federal no Espírito Santo.
Além de Pagotto, outros réus no processo que tramita na 4ª Vara Criminal (Privativa do Tribunal do Júri) de Vila Velha são o soldado da PM Dalberto Antunes da Cunha; sua ex-mulher, a major da PM Fabrízia Moraes Gomes da Cunha; o ex-tenente Paulo Jorge dos Santos Ferreira, o PJ; e Leandro Scárdua Mageski.
O ex-tenente PJ, que era acusado de outros assassinatos, e Leandro foram assassinados como queima de arquivo. Testemunhas da trama da morte de Marcelo Denadai também tiveram o mesmo fim, ou seja, acabaram sendo assassinadas.
A Polícia Civil prendeu Dalberto, acusado de ser o homem que atirou em Denadai, na mesma noite do crime. O nome de Pagotto, no entanto, surgiu bem mais tarde. É que, no início das investigações, a Polícia Civil capixaba investigava outra hipótese para explicar o assassinato.
Considerava que o advogado teria sido morto a mando de outros empresários e de um colunista social por conta da descoberta de um esquema de fraude contra prefeituras do Espírito Santo e do Rio de Janeiro que ficou conhecida como Caso Marval. Até o programa Fantástico, da Rede Globo, caiu na história. Inocentes foram presos, mas tiveram que ser soltos posteriormente.
O assassinato de Marcelo Denadai provocou uma intervenção “branca” do governo federal no Espírito Santo. Por ordem do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, uma missão especial da Polícia Federal veio com sua tropa de elite para o Estado, dando início a uma série de investigações que culminaram mais tarde na prisão do ex-presidente da Assembleia Legislativa e ex-bicheiro José Carlos Gratz.
Foi a mesma missão especial que deu sequência às investigações do assassinato de Marcelo Denadai, mas isso não quis dizer que o caso havia sido federalizado. A Federal entrou no caso para subsidiar o que a Polícia Civil havia concluído, depois de errar no início das investigações.
A Federal ouviu novas testemunhas, se baseou em provas técnicas e colheu depoimentos dos acusados. Assim, concluiu que o advogado foi morto a mando do empresário Pagotto.
No mesmo documento em que indiciou o empresário, a Polícia Federal sugeriu ao Ministério Público Estadual (MPE) que investigasse o esquema dc corrupção entre a Hidrobrasil e a Prefeitura de Vitória, mas até hoje o MPE não apresentou resultado dessas investigações.
O que a sociedade não consegue entender é porque, o mesmo Estado que foi célere e eficiente para colocar na cadeia, julgar e condenar os executores e supostos intermediários do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho – ocorrido um ano depois da morte de Denadai –, foi burocrático e lento na condução do inquérito e processo do homicídio que teve como vítima o advogado Marcelo Denadai.
No caso do juiz, somente os acusados de serem os mandantes ainda aguardam em liberdade o julgamento. Os assassinos e supostos intermediários já cumpriram pena e, com exceção de um dos executores – que teria cometido novos crimes dentro da prisão –, já estão soltos. Ou seja, já até pagaram sua dívida com a Justiça.
No caso do assassinato de Marcelo Denadai, todos – os que não morreram, é claro – estão soltos. Inclusive, trabalhando, como é o caso da major Fabrízia e do soldado Dalberto.
E, por mais incrível que possa parecer, mesmo depois da morte de Denadai, Sebastião Pagotto ainda ganhou uma licitação para prestar serviços na Cesan, em 2003. O contrato acabou rescindido depois que o caso – da vitória na licitação – foi denunciado pela irmã do advogado, a ex-deputada estadual Aparecida Denadai.
Marcelo Denadai era um incansável na luta por justiça. Graças a ele, os casos escabrosos que eram cometidos na calada da noite por alguns integrantes de uma entidade chamada Scuderie Detetives Le Cocq vieram à tona. A Scuderie foi extinta pela Justiça Federal.
Graça a Marcelo Denadai, a Justiça já está podendo julgar os acusados de mandar matar o também advogado Carlos Batista de Freitas e o ex-prefeito da Serra José Maria Miguel Feu Rosa.
A determinação do STJ em confirmar o que a Justiça capixaba já havia decidido – mandar o empresário Sebastião Pagotto a júri popular – significa que agora, sim, estamos entrando de fato num Novo Espírito Santo.