De 1995 até 1998, o Espírito Santo foi governado pelo médico Vitor Buaiz, do Partido dos Trabalhadores (PT). Os petistas chegaram ao poder com o entusiasmo de uma geração que passou boa parte de seu tempo criticando e ensinando os governantes da época sobre como o Estado deveria ser administrado.
Assumiram o poder acreditando que poderiam realizar uma grande administração. Infelizmente, fracassaram. Vitor achou que iria mudar tudo no Estado. Ledo engano. Fracassou, principalmente, no combate à violência e instalou, de vez, uma crise sem precedentes no sistema prisional capixaba.
Para começar, o secretário da Justiça e Cidadania do governo Vitor foi Perly Cipriano, que hoje ocupa um cargo na Secretaria dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. Perly, com sua visão voltada para a defesa dos direitos humanos, deixou o sistema carcerário rolar solto durante toda a sua administração.
Foi um período sombrio na história do sistema prisional do Espírito Santo. Os presidiários faziam o que queriam dentro das cadeias. Eram comuns as fugas, assim como as rebeliões e assassinatos.
As vítimas de assassinatos eram escolhidas pelos xerifes das prisões. As mortes só diminuíram quando outra geração de xerifes entrou no sistema e passou a matar os antigos líderes.
No IRS (Penitenciária de Pedra D’Água), em Vila Velha, os condenados tinham regalias. Um xerife traficante, que acabou sendo assassinado, mandou azulejar a sua cela. O IRS, na ocasião, era dirigido por um pastor baiano, que, antes de se “converter”, foi condenado por assaltos a banco na Bahia. Presidiário, para ele, “era anjo” e tinha que ser tratado como tal: sem regras, sem disciplina, sem atividades.
Era comum, naquela época, os presos receberem a visita de garotas de programa. Chegaram denúncias ao Juizado da infância e da Juventude de Vila Velha – onde ficava a antiga Casa de Detenção – dando conta de que uma determinada coordenadora do sistema prisional levava até menores para se prostituírem com presos.
Certa vez, a imprensa noticiou que os xerifes da Casa de Detenção possuíam, literalmente, as chaves da cadeia. Ou seja, eles ficavam com as chaves das portas que davam acesso aos corredores e lá só entravam quem eles (xerifes) permitiam.
E quem não se lembra de um assaltante conhecido pelo apelido de Bequinha, que até beijo ganhou de um juiz ao se render após quase uma semana mantendo reféns – e os agredindo e ameaçando de morte – na Casa de Detenção? De dentro da cadeia, Bequinha mandou matar muita gente aqui fora, pois ele tomava conta dos telefones do tipo orelhão – até então, celular começava a entrar na moda aqui fora. Bequinha era tratado como pop star na prisão.
Numa determinada noite, de uma só vez, fugiram quase 200 presidiários da Casa de Detenção, que, na época, era cheia de túneis. O governo de Buaiz não investiu no sistema prisional.
Será que a sociedade capixaba quer voltar a experimentar o modelo petista de administrar um sistema carcerário?
De 1999 a 2002, o sistema carcerária capixaba passou a experimentar outro modelo de administração. Saiu a turma dos direitos humanos e entrou a equipe da repressão. Com o governador de José Ignácio Ferreira, a Polícia Militar assumiu o comando das cadeias. Houve redução da queda de número de fugas e o sistema se moralizou mais, porém os presos continuaram promovendo rebeliões e os crimes permaneceram sendo encomendados pelos xerifes. Em uma das rebeliões, os bandidos mataram um sargento que fazia a guarda dos presos no IRS.
Houve, contudo, uma mudança para melhor em comparação à gestão anterior. Foi nesse período, entretanto, que outra turma passou a agir também nas cadeias. Segundo investigações do processo do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, foi nessa época que o hoje coronel da reserva Walter Gomes Ferreira e o juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira – os dois são acusados de serem os mandantes da morte do juiz Alexandre, ocorrida em março de 2003 – teriam se aliado para dar boa vida a bandidos que estavam presos nas cadeias capixabas.
Consta no processo que, a pedido de Ferreira, o juiz Leopoldo – que comandava a Vara de Execuções Penais – autorizava a remoção de presidiários para outras cadeias, onde encontravam facilidade para fugir e, aqui na rua, cometiam crimes, como assassinatos. Depois, voltavam tranquilamente para a prisão, como se nada tivesse acontecido.
Um modelo que também não deu certo por causa da corrupção envolvendo policiais ou agentes penitenciários, acusados de receber propina para facilitação de fugas.
Ao noticiar que “As masmorras de Hartung aparecerão na ONU” – em artigo publicado no último domingo (07/03), em O Globo e na Folha de São Paulo – o colunista Élio Gaspari chega com um atraso de pelo menos 12 anos. Atualmente, o Estado possui 26 presídios, fora as cadeias provisórias da Polícia Civil. São quase 7 mil presidiários.
Ao elaborar o artigo, Gaspari, com certeza, se baseou nos relatórios dos órgãos de direitos humanos, que já haviam sido divulgados amplamente pela imprensa capixaba. Os corpos esquartejados, que aparecem em fotos no relatório, sempre existiram.
Trata-se de presos que foram mortos por colegas de celas durante rebeliões no início da gestão de Paulo Hartung.
Grupos de direitos humanos sempre gostaram de dar palpites nas políticas estaduais de combate à violência e no sistema penitenciário. O Espírito Santo sempre foi alvo desses grupos. Porém, de janeiro de 1995 a dezembro de 1998, na gestão petista de Vitor Buaiz, pouco se viu da atuação dessa turma em nossos presídios.
Quase não apareciam para denunciar torturas ou mortes nas cadeias. Por isso, as denúncias que surgiram recentemente – os três presos vítimas de esquartejamentos foram assassinados entre 2003 e 2004 – mais parecem jogadas políticas (não do Élio Gaspari, que retratou uma verdade em seu artigo) de quem teve a chance de melhorar o sistema.
Vale lembrar que o programa da Rede Record que foi ao ar na noite desta segunda-feira (08/03) sobre o sistema carcerário capixaba foi gravado em outubro de 2009. Qualquer repórter iniciante sabe que jornalismo é algo dinâmico.
No governo Paulo Hartung, os policiais militares foram retirados, aos poucos, das cadeias, para reforçar o policiamento nas ruas. No lugar dos militares, o Estado contratou agentes penitenciários, através de concursos públicos.
O que o secretario de Estado da Justiça e Cidadania, Ângelo Roncalli, deveria fazer publicamente é mostrar à sociedade como estão as investigações dos assassinatos ocorridos nas cadeias capixabas durante a atual administração.
Cobrar da Polícia Civil, responsável pelas investigações, o resultado dos inquéritos policiais. Checar, no Tribunal de Justiça, quem já foi julgado e condenado por ter matado colegas dentro das prisões.
O Estado tem que ser cobrado por assassinatos nos presídios, até porque ele (Estado) é responsável pela vida dos presos. Mas condenar um governante como Paulo Hartung é injusto, sobretudo porque foi no governo dele que as “masmorras” capixabas foram extintas.
Roncalli deve ir à Genebra mostrar, com números e exemplos, o que o Estado vem fazendo para recuperar o sistema carcerário, antes dominado pelos xerifes.
Os defensores dos direitos humanos reclamam também das regras adotadas pelo governo do Estado para moralizar e disciplinar a vida dentro das cadeias. Qualquer ex-detento conta como é chegar a uma prisão; como é a humilhação. Primeiro, ao entrar numa cela, o preso que acaba de chegar tem que pedir licença aos demais futuros companheiros; se estiver calçado, tem que tirar os sapatos, tênis ou sandálias. Tem que entrar descalço.
Dentro da cela, qualquer preso, para fazer suas necessidades biológicas, tem que pedir licença ao xerife da cadeia. Tem que pedir licença até mesmo para escovar os dentes. Afinal, quem deve mandar numa cadeia: o Estado ou os presos?
Antigamente, o governo autorizava familiares levarem comida e outros produtos para os presos dentro dos chamados malotes. Ali, iam também armas e drogas. O Estado deveria permitir a continuidade da existência desses malotes?
O preso recém chegado, para ter boa vida – leia-se não ser espancado e nem sofrer abuso sexual por parte dos mais fortes da prisão –, tinha que contar com a ajuda de seus familiares. Na época da permissão dos malotes, os familiares levavam iorgute, toddynho, queijo e outros alimentos para os xerifes para que o filho pudesse levar uma vida menos humilhante na prisão.
O Estado deveria manter esse tipo de arbitrariedade na cadeia?