O dia 20 de agosto de 1995 ficou marcado na história. Pela primeira vez, alguém ousou acusar o todo poderoso do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu, de corrupção. Lembro-me perfeitamente daquele dia, em que a profissão me permitiu cobrir, pelo jornal O Globo, o Congresso Nacional do PT, que acontecia no recém inaugurado Sesc de Guarapari.
Eu era correspondente de O Globo no Espírito Santo, ao mesmo tempo em que exercia o cargo de editor de Polícia de A Tribuna. Naquela ocasião, A Tribuna não circulava nas segundas-feiras. Seus profissionais tinham folga aos domingos. Como correspondente de O Globo em terras capixabas, eu era subordinado à sucursal do jornal em Minas Gerais.
Nem foi preciso receber pauta de meu editor. Acordei na manhã daquele domingo, embarquei num ônibus na Rodoviária da Ilha do Príncipe e fui parar no Sesc de Guarapari. Na chegada, me deparei com o eterno senador petista Eduardo Suplicy – duvido se ele sabe fazer outra coisa senão a de exercer a profissão de senador da República – entrando no portão principal do Sesc, ainda com roupa de desportista, depois de caminhar na praia.
Mais à frente, pude perceber o então governador do Estado, Vitor Buaiz – que naquela época ainda era do PT –, revoltado com cartazes fixados na parede do Sesc por sindicalistas criticando a política do governo petista.
Vitor, que sempre fez carreira política dependendo dos sindicatos e dos sindicalistas, reagiu como senão precisasse mais dos companheiros das portas de fábrica – no caso específico do Espírito Santo, de portas de escolas, hospitais e demais órgãos públicos:
“Esses caras acham que luta sindical ainda se faz dessa maneira”, disse Vitor Buaiz para o então presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Jair Meneguelli. Este, que já vislumbrava um dia assumir uma entidade patronal, concordou com Vitor. No governo de Lula, Jair Meneguelli abandonou os companheiros trabalhadores e foi presidente do sistema Sesc/Senai.
Logo começou o Congresso Nacional dos PT. Todo mundo falava. Eram discursos atrás do outro. O ofício me obrigava a anotar tudo – que chatice! Foi o Congresso que reelegeu José Dirceu presidente nacional do Partido dos Trabalhadores.
No Sesc de Guarapari estavam as mais importantes figuras petistas: Lula, José Genoíno, Suplicy, sua então esposa, Martha Suplicy, Plínio de Arruda Sampaio, Vitor Buaiz, o então governador do Distrito Federal, o hoje senador Cristóvão Buarque de Holanda – este sempre teve bom senso: abandonou a barca petista muitos anos antes do estouro do mensalão e foi para o PDT do eterno Leonel Brizola.
No transcorrer do Congresso, veio o estouro da boiada. Petista de carteirinha, o engenheiro César Benjamin denunciou José Dirceu por, supostamente, ter se beneficiado com dinheiro da Odebrecht, quando ele, Zé Dirceu, disputou o governo de São Paulo.
Pobre César Benjamin: o que os petistas fazem hoje com a imprensa e os ministros do Supremo Tribunal Federal – que acaba de condenar José Dirceu, Genoíno e outras figuras petistas por corrupção, no episódio conhecido como mensalão no governo Lula –, César Benjamim sofreu também em 1995. Quase foi linchado. Só não sofreu agressão física porque os seguranças evitaram. Foi xingado, menosprezado, vaiado.
Até os jornalistas – menos este que vos escreve e o companheiro Giovane César, que na época estava na TV Gazeta e hoje é da TV Capixaba – torceram o nariz para César Benjamin. Havia colegas paulistas que até xingaram o rapaz. Naquela ocasião, jornalista era sinônimo de petista. Que babaquice!!! Lula era um deus para a maioria dos colegas.
Ficamos todos no auditório ouvindo os mais raivosos discursos contra César Benjamim. Lembro-me perfeitamente o ator Antônio Pitanga – pai da belíssima e competente atriz Camila Pitanga, hoje garota propaganda da Caixa Econômica Federal –, que não parava de apontar o dedo para o César Benjamin. Nem mesmo a esposa de Antônio Pitanga, Benedita da Silva – lembram-se dela? É aquela que se envolveu no escândalo dos gastos desnecessários dos cartões de crédito do governo federal, durante o governo Lula.– ,acalmava o ator-político-petista.
Foram cenas hilárias e constrangedoras. Chegou a vez de José Dirceu discursar. Ele chorou e negou, é claro, que tivesse levado dinheiro da construtora. No dia seguinte, enquanto a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e outros jornais preferiram exaltar a reeleição do todo poderoso José Dirceu e publicando em suas página a nova composição da Executiva Nacional do PT, O Globo foi mais enfático em seu título de página interna ao registrar o momento histórico: “Acusado, Dirceu chora e é reeleito presidente nacional do PT”.
Pelo jeito, o choro continua…