Num momento em que pseudos especialistas da segurança pública procuram se alvoroçar a escrever artigos em jornais na tentativa de desacreditar instituições quase bicentenárias, como a Polícia Militar do Estado do Espírito, é sempre importante a busca pela inspiração em profissionais que fizeram e ainda fazem História.
Relembrar o artigo “A polícia dos capitães”, escrito originalmente em 2010, pelo professor e coronel da Reserva Remunerada da PM Júlio Cezar Costa, é acima de tudo refletir sobre o ambiente vivido atualmente na segurança pública de todo o País. Júlio Cezar Costa nos ensina a importância do Policiamento Interativo e faz uma bela homenagem a dois dos mais importantes oficiais da Polícia Militar capixaba: coronéis Luiz Sérgio Aurich e de Carlos Magno da Paz Nogueira.
A polícia dos capitães
Dois homens marcam nos últimos trinta anos o Comando Geral da Polícia Militar do Espírito Santo. Trata-se dos coronéis Luiz Sérgio Aurich e de Carlos Magno da Paz Nogueira. São os primeiros intelectuais e construtores dos pilares de um novo ciclo para a polícia capixaba.
Com quase 200 anos de existência, a Polícia Militar, desde os relatórios dos presidentes da Província, à época do Império, sempre sofreu com a baixíssima infraestrutura para a execução de seus nobres e indispensáveis serviços prestados à sociedade, obrigando-a a uma busca de esforços não estatais para se manter e se consolidar historicamente.
Somente em abril de 2010, na cidade de Mimoso do Sul, depois de exatos 165 anos, foi que a Polícia Militar teve o primeiro quartel escriturado em cartório, tornando-se um marco histórico na ocupação legal dos bens patrimoniais em uso pela Corporação de Ortiz. O marco ocorreu pelo trabalho de seus integrantes e pela ação da então recém criada Comissão Permanente de Regularização de Imóveis da Diretoria de Apoio Logístico.
Foi por meio do coronel Aurich que a corporação passou a enxergar o futuro e rompeu o paradigma da mesmice administrativa e organizacional. Durante o seu comando foram adotadas, mesmo que de modo ainda incipiente para aquele momento, as primeiras ações do que poderíamos chamar de planejamento estratégico prospectivo, além da ainda vigente reorganização estrutural e funcional da instituição, isto em 1992.
Luiz Sérgio Aurich quebrou paradigmas e foi o único comandante na história recente que teve quase todo o coronelato discordante contra si, mas certamente foi o primeiro gestor policial, juntamente com a Polícia Federal, a combater o que na era pós 1988 chamou-se de crime organizado no Espírito Santo.
Ainda como secretário-chefe da Casa Militar foi um dos mentores e protagonistas da articulação que revelou os subterrâneos da alta criminalidade em terras capixabas, ao lado do ex-governador Max de Freitas Mauro.
Já o genial coronel Carlos Magno da Paz Nogueira foi o responsável por criar o que ele mesmo denominou de a “polícia dos capitães”. Foi revelador de sua sapiência a identificação, o estímulo e a conquista da colaboração de parte da oficialidade da nova geração, que valorizava mais a cientificidade e o aprimoramento intelectual.
Assim, teve início a nova era na Polícia Militar: a chamada “polícia dos capitães”, agrupando homens e mulheres, oficiais e praças, tendo entre eles o mais ousado e intrépido oficial que conheci nos quadros da briosa Polícia Militar, o então capitão Ênio Chaves dos Reis, chamado carinhosamente de “Molotov”, hoje prematura e desnecessariamente na condição de coronel da reserva remunerada.
Sinto muito orgulho de ter-me tornado um discípulo de Ênio, vindo por ironia do destino a ser ocupante de sua vaga de coronel, quando de sua aposentadoria em 2008.
As características institucionais em que até as ideias e o conhecimento eram submetidos à hierarquia e à disciplina, a conjuntura política em momento de redemocratização do País e a clareza de que uma administração científica poderia ferir interesses patrimonialistas e até expectativas de assunção de cargos por oficiais, principalmente da geração mais antiga, levaram Aurich e Magno a apoiar reuniões de trabalho “dos capitães” às escondidas em apartamentos na capital e residências no interior, discutindo e propondo a criação de projetos, sempre pensando no amanhã institucional.
Para a fase inaugurada pelo coronel Magno não faltaram as repetições dos chavões históricos: “quebra da hierarquia e da disciplina”, “isto não pode acontecer”, “na polícia quem deve pensar são os coronéis”, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, “esse pessoal não tem experiência para propor inovações”, “isto vai acabar mal”, “são políticos”, ”querem poder”, “querem aparecer”, “isto não vai dar em nada”, etc.
Imagino que, se não fossem esses dois comandantes, a Polícia Militar ainda estaria vivendo os mesmos padrões culturais da década de 60 do século passado e o Corpo de Bombeiros Militar ainda estaria sem ser emancipado.
Pretendo nos próximos artigos continuar historiando sobre essa fase rica e produtiva da Polícia Militar, sequenciando de modo cronológico as muitas mudanças que fizeram com que hoje, pioneira e ineditamente, a Polícia Militar do Espírito Santo atingisse os altos pódios como bicampeã brasileira de Polícia Interativa.
Há muitas histórias de personagens interessantes que ainda não foram abordadas, mas que serão gotejadas uma a uma nos próximos artigos, inclusive os bastidores de muitas situações históricas importantes e não conhecidas por todos.
(Este artigo foi publicado pela primeira vez, em 2010, no jornal Folha do Espírito Santo, de Cachoeiro do Itapemirim).
(Autor: Professor e coronel RRPMES Júlio Cezar Costa. Consultor Sênior de Ordem Pública e Segurança Cidadã; Idealizador Nacional da Polícia Interativa; Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; e Membro da Associação Internacional de Chefes de Polícia – IACP)